A GUERRA DO ÓPIO A PARTIR DO PERIÓDICO O DESPERTADOR, DIÁRIO COMERCIAL, POLÍTICO, CIENTÍFICO E LITERÁRIO [RJ]
Introdução
A China, país influenciado pelas ideias do filósofo
Confúcio, era um território extremamente fechado em relação a comércio e
negociações com outros países desde a ascensão dos Manchus ao poder. De modo
geral, havia uma crença de que a China era um reino superior em relação aos
demais, sendo assim, os chineses de não demonstravam interesse em conhecer ou
se abrir para outras culturas ou praticar relações e intercâmbios comerciais ou
culturais com outros países:
“Na raiz delas estava a presunção de que a China era o
reino "central" e que os demais países, por definição, eram
periféricos, afastados do centro cultural do mundo. Os chineses, portanto,
mostravam pouco interesse por informações precisas ou estudos detalhados acerca
de outros países. [...] As descrições chinesas de países estrangeiros
continuavam sendo uma mistura exótica de contos místicos e fantasia, em que os
estrangeiros eram muitas vezes associados a animais ou pássaros e descritos com
uma linguagem condescendente ou deliberadamente depreciativa.” [SPENCER, 1996,
p. 131]
A burocracia comercial chinesa causava obstáculos com os
outros países que tinham interesse em fazer comércio com a China, como
potências européias que estavam iniciando suas atividades ultramar [SPENCER,
1996, p. 131] , e em particular, a relação com a Inglaterra e a Companhia das
Índias Orientais. A partir de 1770, as tensões comerciais entre os ingleses e
chineses aumentaram devido à maior demanda de produtos chineses (chá e
porcelana, principalmente), que eram vendidos por prata. Os comerciantes
britânicos começaram a trocar o ópio, que era produzido na Índia, por produtos
manufaturados chineses [SPENCER, 1996, p. 133].
A proibição do uso do ópio foi acompanhada de vários debates e polêmicas, dentre estes, questões filosóficas e um discurso sobre a deformação que o consumo do ópio poderia acarretar. A Guerra do Ópio teve início no ano de 1839 devido à desentendimentos entre a China e a Inglaterra, quando o comissário Lin Zexu mandou confiscar a mercadoria de ópio de comerciantes estrangeiros:
“Tinha agora diante de si o formidável desafio de
destruir quase 1400 toneladas de ópio bruto. A solução que encontrou foi mandar
abrir três enormes valas de 2,5 metros de profundidade por cinquenta metros de
comprimento. Mais tarde, quinhentos trabalhadores, supervisionados por sessenta
funcionários, esmigalharam as grandes bolas de ópio bruto e misturaram nas com
água, sal e cal, até que o ópio se dissolvesse.” [SPENCER, 1996, p. 168].
Os conflitos seguem através de confrontos diplomáticos e
militares, e tem sua resolução em 1842 através do Tratado de Nanquim, que se
compreende que não foi em si a representação da vitória dos ocidentais, mas sim
o que ele inspirou. O tratado estipulava a paz entre as duas nações, o
pertencimento da ilha de Hong Kong à rainha Vitória, o pagamento pelo ópio
perdido no episódio de Cantão [SPENCER, 1996, p. 169]. A partir desse tratado, que foi acordado
entre Inglaterra e China, outros países como os Estados Unidos da América e a
França [SPENCER, 1996, p. 171-172] também formularam seus tratados, marcando
assim a vitória do Ocidente em relação ao Império Celestial.
A pesquisa foi realizada no âmbito do Programa Institucional de Iniciação Científica (PIBIC) e utilizou como fundo documental os periódicos disponíveis pela Fundação Biblioteca Nacional através do projeto da Hemeroteca Digital Brasileira. Para a realização dessa pesquisa, foi utilizado um periódico carioca, no qual suas publicações coincidiram com o período da Guerra do Ópio. O periódico O Despertador: Diário comercial, político, científico e literário foi um jornal do Rio de Janeiro, que circulou entre os anos de 1838 a 1841:
“O jornal O Despertador teve sua primeira edição
publicada em 27 de março de 1838 e na sua primeira página vemos os princípios
norteadores deste periódico. No alto de sua página, temos o subtítulo: Diário
Commercial, Político, Scientífico e Litterario, e a partir disto verifica-se a
ordem de importância que cada assunto teve nas próximas edições deste
noticiário.” [ARAÚJO, S. C., 2014, p. 26-27].
O grupo responsável pela redação do jornal se intitulava de “Typ. da assoc. do Despertador”. O jornal é dividido em várias seções, porém o nome dos autores das referidas não são mencionadas. Dois nomes são destacados ao longo das publicações do periódico, sendo eles Francisco de Sales Torres Homem (F. de S. Torres Homem) e José Marcelino da Rocha Cabral (J. M. da Rocha Cabral).
O jornal não especifica o seu público alvo porém, na
seção de advertências, o texto nos indica brevemente quais os principais
assuntos que serão tratados:
“O DESPERTADOR, sendo especialmente dedicado ao commercio
e aos outros ramos da indústria, tratará com preferência os assuntos relativos
a estas profissões; mas publicará as sessões das Câmaras, e compreenderá todos
os objectos tendentes a consolidação da ordem e a [palavra ilegível] e
conservação das riquezas o seu fim geral e o progresso moral e o melhoramento
material do país.” [ADVERTÊNCIA, O Despertador: Diário Comercial, Político,
Científico e Literário, 08/08/1838, p. 1]
A partir dessa breve descrição, podemos concluir que o
periódico trata principalmente de questões sociopolíticas e culturais, e que
durante seu tempo de circulação (1838-1841) teve suas edições lançadas entre 4
e 6 páginas. A divisão do jornal era feita em seções que tratavam de política e
nas demais, questões econômicas e literárias, indo em oposição à configuração
da maioria dos jornais do século, que abordavam com mais enfoque as questões
políticas. Portanto, por ser um jornal oriundo de onde, na época, era a capital
do Brasil, bem como por abranger a maior parte da duração da Guerra do Ópio, escolhemos trabalhar com o
periódico O Despertador. Portanto,
objetivou-se com essa pesquisa, estudar as menções ao conflito do ópio no
referido periódico, a fim de compreender como o jornal noticiou a questão da
Guerra do Ópio.
Metodologia
A utilização de periódicos como fonte de pesquisa nem
sempre foi uma prática comum ou apreciada. Na verdade, o uso de periódicos como
fonte histórica era descartado pois, como afirma Tânia Regina de Luca:
“[...] os jornais
pareciam pouco adequados para a recuperação do passado, uma vez que ‘essas
enciclopédias do cotidiano’ continham registros fragmentados do presente,
realizados sob o influxo de interesses, compromissos e paixões. Em vez de
permitirem captar o ocorrido, dele forneciam imagens parciais, distorcidas e
subjetivas.” [LUCA, 2008, p. 112]
Todavia, essa concepção sobre a utilização dos periódicos para o ofício historiográfico mudou na década de 1970: “[...] ao lado da História da imprensa e por meio da imprensa, o próprio jornal tornou-se objeto da pesquisa histórica.” [LUCA, 2008, p. 118].
Para realizar a análise das menções do periódico à Guerra do Ópio, utilizou-se a Hemeroteca Digital e suas ferramentas de busca. O termo pesquisado foi “China ópio”, no qual obteve-se como resultado 20 ocorrências, que são encontrados no período de 1839 a 1841, no qual a maior parte das ocorrências ocorreu no ano de 1840.
Tratando da materialidade da fonte, o jornal se constitui por quatro páginas e que quase na totalidade se debruçam sobre a temática da política, em âmbitos nacionais e internacionais, dividindo seu conteúdo com questões econômicas e divulgações literárias. As matérias referentes à Primeira Guerra do Ópio estão localizadas na primeira página ou segunda do periódico, na seção “Parte Política”, que tratava sobre questões políticas em contextos nacionais e internacionais. É importante notarmos em qual local essa publicação está visto que “é muito diverso o peso do que figura na capa de uma revista semanal ou na principal manchete de um grande matutino e o que fica relegado às páginas internas.” [LUCA, 2008, p. 140]. O Despertador tinha a periodicidade diária de suas publicações.
Existem poucos trabalhos acadêmicos referentes ao jornal O Despertador, e por consequência, as informações sobre seu corpo editorial, colaboradores e questões que são citadas pela historiadora Tânia Regina Luca, em seu artigo História dos, nos e por meio dos periódicos requereram uma pesquisa mais detalhada.
José Marcelino da Rocha Cabral foi um português, formado em Direito em Coimbra, que saiu de Portugal por divergências políticas. Quando veio ao Brasil, primeiro se instalou na província do Rio de Janeiro, e depois para a província do Rio Grande do Sul, onde exerceu diversos cargos ligados à questão administrativa, dentre estes, secretário da Caixa Econômica. Durante sua estadia na província do Rio Grande do Sul, foi redator do jornal Propagador da Indústria Rio-Grandense. Porém, novamente por motivos de divergências políticas, deixou a referida província no contexto da Revolta Farroupilha. Sendo assim, ele regressa ao Rio de Janeiro: “De volta ao Rio de Janeiro, foi sócio, diretor e redator de outro periódico, o Despertador, membro fundador do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da primeira comissão de redação da revista do IHGB.” [KLAFKE, 2006, p. 35].
Francisco de Sales foi um carioca, com formação em
medicina, mas que por influência e admiração de Evaristo da Veiga, adentrou-se
às questões jornalísticas. Também foi
homem ligado à gestão da nação, principalmente nas questões financeiras. Cursou
a faculdade de Direito na Faculdade de Paris, e retorna ao Brasil no ano de 1837
(ano da morte de Evaristo da Veiga), para dar continuação ao trabalho do seu
mestre. Durante esse regresso, Francisco de Sales trabalhou em alguns
periódicos, o Jornal dos Debates
Políticos e Literários, O Despertador,
O Maiorista e O
Atlante. O jornal que conferiu maior
destaque na sua carreira foi o periódico intitulado O Libelo do Povo, panfleto que direcionou duras críticas ao regime
monarquistas, onde Francisco de Sales publicava sob o pseudônimo de Timandro.
Resultados
e discussão
Para realizar a análise das menções do periódico à Guerra
do Ópio, utilizou-se a Hemeroteca Digital e suas ferramentas de busca. O termo
pesquisado foi “China ópio”, no qual obteve-se como resultado 20 ocorrências,
que são encontrados no período de 1839 a 1841, no qual a maior parte das
ocorrências se encontram no ano de 1840. No gráfico a seguir, detalhamos a
distribuição das ocorrências no período analisado:
O tema aparece inicialmente repercutindo o duro
tratamento dado pelos chineses aos comerciantes ilegais de ópio na região. Na
edição de número 229, com a data de 07/01/1839, na primeira página e na
subseção “China”, que está contida na seção “Notícias estrangeiras”. Na
referida matéria menciona-se: “Os rigores exercidos contra os vendedores,
corretores e negociantes de ópio tem feito fugir uma imensa quantidade de
indivíduos devedores e negociantes estrangeiros” [O DESPERTADOR, 07/01/1839,
ed. 229, p.1]. Também identificou-se outra alusão ao problema, no mesmo ano. “É
horrível a maneira com que os vendedores de ópio estão sendo tratados
atualmente na China.” [O DESPERTADOR, 09/01/1839, ed. 231, p. 1], no qual
discorre sobre uma punição aplicada a um comerciante de ópio, detalhando que:
"...Hum quarto d'hora depois chegou o tsotang
(magistrado chin) de Macao, acompanhado de 60 oficiais de políticia, e vários
outros emprehados (sic). Então apareceu o infeliz acusado conduzido por dois
algozes numa gaiola de bambú, e escoltado por cem homens de infataria imperial.
Ergueram uma cruz de madeira de 9 palmos de altura, cujo braço verticalera
furado um pouco acima da sua intersecção com o transversal. Três tiros foram o
sinal da execução. Tiraram o infeliz da sua gaiola com os braços e pernas
carregados de enormes massas de ferro, e tão magro e sujo que o vê-lo cortava o
coração. Os algozes estenderam o padecente de costas sobre a cruz, passaram-lhe
cordas em roda das pernas, dos braços e do pescoço, e tendo-as introduzido pelo
buraco da cruz, arroxaram-as com violência. O supliciado expirou sem fazer o
menor movimento. Este homem chamava-se Kowk- Pung, o seu crime era ter vendido
algumas caixas de ópio. Deixa três mulheres e muitos filhos."
Os episódios que levaram ao conflito entre ingleses e chineses foram acompanhados com interesse pelo periódico. Na edição de número 472, de 2 de novembro de 1839, que tem como título e subtítulo “China: curiosissimos pormenores sobre a interrupção do comércio do ópio em Cantão” [O DESPERTADOR 02/11/1839, ed. 472, p. 1], bem como a edição número 688, que traz um texto sobre a questão da Inglaterra e da China abordando o histórico de relações, a questão do ópio e a guerra. [O DESPERTADOR, 28/06/1840, ed. 668, p. 1].
Em seis edições, podemos encontrar a transcrição de cartas e documentos sobre o conflito, como por exemplo a transcrição de um edicto de autoria do comissário chinês Lin, um dos principais nomes do combate ao Ópio na China: "Quanto a mim, alto comissário, enquanto o comércio de ópio não for exterminado, ficarei aqui. Juro que prosseguirei este negócio do princípio até ao fim, e que nem um minuto terei a ideia de ficar em meio caminho." [O DESPERTADOR, 02/11/1939, ed. 472, p. 1]. Podemos destacar também uma carta endereçada à rainha Vitória da Inglaterra: "Os comissários chins (sic) dirigiram há pouco à rainha da Inglaterra um documento em que o orgulho dos Chins para com os estrangeiros se espraia à vontade." [O DESPERTADOR, 14/02/1840. ed. 564, p. 1]. A edição número 615, do dia 8 de abril de 1840 [O DESPERTADOR, 08/04/1840, ed. 615, p. 2] traz também a transcrição de um documento, desta vez, referente ao “pronunciamento do almirante Kwan”.
Em 8 edições (contabilizando 20 % das ocorrências
encontradas no jornal) é possível encontrarmos menções a matérias vindas de jornais estrangeiros, como por
exemplo Liverpool Journal, Free Press,
Morning Chronicle, Le Temps e Canton Register, o que denota a circularidade
que as notícias publicadas na Europa tinham na corte brasileira do mesmo
período.
Conclusão
A partir da análise das ocorrências sobre a Guerra do
Ópio no periódico O Despertador: Diário
comercial, político, científico e literário, verifiquei que é possível
compreendermos o conflito envolvendo a China e a Inglaterra. O jornal não só
cobria as informações e atualizações sobre a questão da guerra, como também
dava destaque a essas informações, colocando-as nas primeiras páginas,
atendo-se não só a noticiar o que ocorria, como também contextualizando os leitores
acerca dos antecedentes e contextualizações sobre o conflito, bem como trazia a
transcrição de documentos e cartas referentes ao desenrolar da Guerra do Ópio.
Referência
Lara Raquel de Souza e Maia é graduanda em História pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). E-mail: lararsm2012@gmail.com / laramaia@alu.uern.br
Carlos Eduardo Martins Torcato é doutor em História
Social pela Universidade de São Paulo (USP) e professor do Departamento de
História, do PROFHistória e do PPGCISH pela UERN., E-mail: carlostorcato@uern.br.
Fontes
ADVERTÊNCIA, O Despertador: Diário Comercial, Político,
Científico e Literário, ed, 107, p. 1, 8 de agosto de 1838.
A INGLATERRA E A CHINA. O Despertador: Diário Comercial,
Político, Científico e Literário, Rio de Janeiro, ed. 688, p. 1, 28 jun. 1840.
CHINA. O Despertador: Diário Comercial, Político,
Científico e Literário, Rio de Janeiro, ed. 229, p. 1, 7 jan. 1839.
CHINA. O Despertador: Diário Comercial, Político,
Científico e Literário, Rio de Janeiro, ed. 231, p. 1, 9 jan. 1839.
Parte Política, CHINA, Curiosissimos pormenores sobre a
interrupção do comércio de ópio em Cantão. O Despertador: Diário Comercial,
Político, Científico e Literário, Rio de Janeiro, ed. 472, p. 1, 2 nov, 1839.
CHINA. O Despertador Comercial, Político, Científico e
Literário. , Rio de Janeiro, ed. 564, p. 1, 14 fev. 1840.
CHINA. O Despertador Comercial, Político, Científico e
Literário. Rio de Janeiro, ed. 615, p.
2, 8 abr. 1840.
PARTE POLÍTICA. CHINA. CURIOSISSIMOS PORMENORES SOBRE A
INTERRUPÇÃO DO COMÉRCIO DO ÓPIO EM CANTÃO. O Despertador: Diário Comercial,
Político, Científico e Literário., Rio de Janeiro, ed. 472, p. 1, 2 nov. 1839.
Referências
bibliográficas
ARAUJO, Suelane
Camelo de. A união faz a força: sociedades mutuais no silêncio d’o despertador
(1838-1841). 2014. 42 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em
História)– Instituto Multidisciplinar, Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro, Nova Iguaçu, 2014.
KLAFKE, Álvaro Antonio. O Império na província:
construção do Estado nacional nas páginas de O Propagador da Indústria Rio-
Grandense- 1833-1834. Porto Alegre. Dissertação (Dissertação em História)-
UFRGS. 2006.
LUCA, Tania Regina de. História dos, nos e por meio dos
periódicos. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org). Fontes históricas. São Paulo:
Contexto, 2008, p.111-155.
SPENCE, Jonathan D. Em busca da China moderna: quatro
séculos de história. Companhia das Letras, 1996, p.129-174.
Olá Raquel e Carlos,
ResponderExcluirPrimeiramente, gostaria de parabenizá-los pelo excelente escolha do objeto de pesquisa (um periódico brasileiro do século XIX) e do tema tratado (a guerra do ópio). Mais uma dessas páginas esquecidas pela historiografia e que foi resgatada por vocês.
Assim, de que maneira O Despertador defendia, de modo particular e também de modo geral, os interesses ingleses no regime de comércio transoceânico?
Se a guerra do ópio aparecia, com frequência, no jornal, conforme pode-se ver pelo gráfico de ocorrências, havia algum interesse especificamente brasileiro nessa disputa entre China e Inglaterra?
Mais uma vez, parabéns pelo trabalho!
Ricardo
Olá Ricardo, agradeço as considerações do nosso texto! Sobre sua pergunta, vou citar um trecho de uma das edições do ano de 1839:
Excluir"O celeste império da China bem raras ocasiões tem de excitar a nossa atenção. Todos os boatos que nos vem dessa terra impenetrável sempre alguma coisa tem de fabuloso, e é por isso que devemos aproveitar todas as revelações que nos podem dar alguma ideia de tão extraordinários costumes. As particularidades da desavença que acaba de rebentar (sic) entre os ingleses e os chineses, por causa do comércio do ópio, nos ministram os elementos de um pequeno drama, que não falta de interesse. Já publicamos a notícia desse acontecimento, porém, os nossos leitores lerão os interessantíssimos pormenores que acabamos de receber." (O DESPERTADOR, 02/11/1839, ed. 00472, p. 1). A partir da leitura desse trecho, notamos que o jornal não nos aponta um interesse brasileiro em específico, mas aparenta estar realizando a cobertura desse acontecido com o intuito de compreender esse acontecimento tão misterioso (visto que a China era uma nação muito fechada) e pelos costumes diferentes do Império Celeste.
De maneira geral, pode-se dizer que o jornal representava os interesses brasileiros, às vezes até de maneira crítica aos ingleses. Por exemplo, em outros jornais, a atuação inglesa na questão do ópio ganhava um caráter de denúncia sobre o real espírito do abolicionismo inglês sobre o tráfico escravista, uma vez que eles próprios eram responsáveis por “escravizar” os chins com o ópio.
Meus parabéns pelo trabalho de vocês. As Guerras do Ópio foram um evento paradigmático para as Relações Internacionais do século XIX.
ResponderExcluirDevido à circularidade de matérias inglesas, é natural deduzir que adotamos o ponto de vista de Londres sobre o conflito. Meu questionamento é se alguma matéria chegou a cogitar que a agressão fosse uma ameaça e que deveríamos ver-nos mais como o Império Chinês.
Há uma matéria que faz referência à crueldade da Inglaterra em relação aos chineses: "As notícias da China são tristes. Marinheiros ingleses atacaram sem provocação alguma, uma vila chinesa em Hong-Kong. No combate, um china foi morto. Seus compatriotas expuseram o corpo na praia, à vista dos vasos ingleses." (O DESPERTADOR, 05/02/1840, ed. 00555, p. 1).
ExcluirDe maneira geral, o que a gente percebe é que existe bastante curiosidade sobre os eventos e também sobre a cultura chinesa nos jornais que pesquisamos (não apenas O Despertador), e não raro a posição dos jornais são bem críticas aos ingleses como o excerto destacado acima. Não localizamos uma comparação da China com o Brasil, até o momento, mas do tráfico de ópio com o tráfico de escravizados, ambos moralmente condenáveis (o que mostraria o cinismo da política inglesa no Atlântico).
Parabéns pelo texto.
ResponderExcluirObrigado, professor Fabian!
ExcluirParabéns pelo trabalho.
ResponderExcluirA historiografia nos mostra que a Guerra do Ópio não era consenso entre os ingleses. Vozes discordantes foram silenciadas. No entanto existiu um debate sobre o tema na imprensa inglesa. Esse debate chegou até às fontes que você trabalhou?
João Marcos Barbosa Marinho
Obrigado pela pergunta. Na verdade, foi justamente esse entendimento que o ópio era um medicamento ordinário, logo, diferente de uma droga maligna e viciosa que nos levou a interrogar sobre as representações do ópio no conflito. Essa representação mais “positiva” não aparece relacionada ao conflito, e sim como uma droga responsável pela degeneração, fraqueza e escravidão dos chineses frente aos ingleses.
Excluir