Felipe Alexandre Silva de Souza

 O ORIENTALISMO DE ARNOLD TOYNBEE: A GRÉCIA COMO “ORIENTE PRÓXIMO”


Introdução

Com base nos estudos do crítico literário Edward Said [2003] sobre o fenômeno do orientalismo, este breve texto pretende discutir o “Oriente” como uma construção intelectiva fundamentalmente histórica e, portanto, passível de transformações. Ou seja: a rigor não existe um Oriente em si mesmo, mas sim indivíduos e grupos específicos que, de acordo com seus objetivos políticos e bagagem cultural, constroem representações de povos e lugares que caracterizam como “orientais”. Portanto, o que se considera oriental ou ocidental pode mudar no decorrer do tempo. Para ilustrar essa questão, abordaremos como o historiador britânico Arnold Joseph Toynbee caracteriza a Grécia em seu livro “The Western Question in Greece and Turkey”, publicado em 1922.

Uma vez que a Grécia é normalmente considerada o berço da chamada cultura ocidental, pouquíssimos de nós pensaríamos em caracterizá-la como oriental. Por isso é surpreendente o fato de que Toynbee, no livro citado, aloca a Grécia não no Ocidente, mas sim no Oriente — mais especificamente, em uma região que ele denomina “Oriente Próximo”. Sendo assim, a referida obra é uma pertinente ilustração da historicidade do Oriente enquanto representação social que pode mudar de acordo com as circunstâncias.

Antes de adentrarmos as ideias de Toynbee, cumpre fazer algumas considerações sobre a questão do orientalismo, conceituado por Said como

 

“um estilo de pensamento baseado no estabelecimento de uma distinção ontológica e metodológica entre ‘o Oriente’ e (na maioria das vezes) ‘o Ocidente’. Dessa forma, um número muito grande de escritores, entre eles poetas, novelistas, filósofos, teóricos políticos, economistas e administradores imperiais, aceitou a distinção básica entre Oriente e Ocidente como o ponto de partida para teorias complexas, épicos, romances, descrições sociais e análises políticas concernentes ao Oriente, seu povo, seus costumes, sua ‘mente’, destino e assim por diante.” [Said, 2003, pp.2/3, tradução nossa]

 

Esse complexo de reflexões e representações não se forma em um espaço vazio. Ao contrário, é uma dimensão ativa e importante da História e, portanto, integra lutas políticas e disputas de poder. Nesse sentido, orientalismo também pode ser considerado um conjunto de discursos criados e mobilizados pelos mais diversos agentes para estudar e produzir teorias sobre o Oriente de forma a colocá-lo sob controle e em posição subalterna. “Resumidamente, Orientalismo é um estilo ocidental de dominar, reestruturar e colocar autoridade sobre o Oriente” [Said, 2003, p.3]. Não é coincidência que as representações orientalistas tenham começado a tomar corpo consistente em fins do século XVIII e ao longo do século XIX, acompanhando a expansão colonial europeia. Entre 1815 e 1914, os principais países europeus aumentaram suas áreas de controle direto de 35% para 85% da superfície terrestre, e os continentes mais afetados foram a África e a Ásia [Said, 2003].

 

“Os maiores impérios eram o britânico e o francês; aliados e parceiros em algumas coisas, em outras eram rivais hostis. No Oriente, das costas orientais do Mediterrâneo à Indochina e à Malaia, suas posses coloniais e esferas de influência imperiais eram adjacentes, frequentemente sobrepostas e não raro disputadas. Mas foi no Oriente Próximo, nas terras do oriente próximo árabe, onde o Islã supostamente definia características culturais e raciais, que os britânicos e franceses encontraram um ao outro e ‘o Oriente’ com maior intensidade, familiaridade e complexidade.” [Said, 2003, p.41, tradução nossa]

 

Essa expansão foi em parte justificada pelas formulações orientalistas, que por sua vez eram incentivadas na medida em que os homens europeus travavam contatos mais intensos com africanos e asiáticos. Tais contatos serviam como base para novas teorias que, mesmo que de forma indireta, forneciam justificativas e racionalizações culturais e morais para a dominação e a violência que os europeus impingiam a outros povos. A justificação de dava pela criação de representações dos homens do chamado Oriente como seres intrinsecamente diversos dos habitantes do dito Ocidente. Tratava-se de representações distorcidas, que caracterizavam os “orientais” como inerentemente inferiores aos ocidentais e desprovidos da maioria das características nobres destes. A figura do homem oriental era invariavelmente exótica, atrasada e pouco inteligente, incapaz de racionalidade, e por isso sua dominação pelos europeus seria não apenas justificada, mas natural. Via de regra, a dominação colonial europeia era tida como benéfica para os povos subjugados que, na melhor das hipóteses, seriam colocados em um caminho de relativa evolução graças aos ocidentais. “Existem Ocidentais, e existem Orientais. Os últimos dominam; os primeiros devem ser dominados, o que normalmente significa ter sua terra ocupada, seus assuntos internos rigidamente controlados, seu sangue e tesouro colocados ao dispor de uma ou outra potência ocidental.” [Said, 2003, p.36]

Em suma, o orientalismo cria representações fundamentalmente opostas — o oriental e o ocidental — que funcionam de forma imbricada: uma não pode existir sem a outra. “O Oriental é irracional, depravado (caído), infantil, ‘diferente’; portanto, o Europeu é racional, virtuoso, maduro, ‘normal’.” [Said, 2003, p.40]. Ora, os ocidentais só podem se dar conta da positividade de sua racionalidade e virtuosidade se forem comparados a outros povos considerados irracionais e viciosos. Ao criar a figura de um “Outro” oriental, os chamados ocidentais acabam definindo a si mesmos por contraste. A suposta retidão do Ocidente se aclara a partir do destaque de deformidades inventadas do Oriente [Said, 2003].

Ao problematizar o orientalismo, devemos levar em conta que “o Oriente não é um fato inerente da natureza” [Said, 2003, p.4]. Como entidades culturais, históricas e geográficas, todos os locais, regiões e setores geográficos são considerados orientais ou ocidentais por iniciativa humana. “Portanto, tanto como o próprio Ocidente, o Oriente é uma ideia que tem uma história e uma tradição de pensamento, imagética e vocabulário que lhe conferem realidade e presença [...].” [Said, 2003, p.5, tradução nossa]. E, se Oriente é uma criação humana — e, portanto, histórica —, faz sentido afirmarmos que o que se considera “oriental” pode variar na medida em que as circunstâncias se alteram.

 

Toynbee: a Grécia é Oriente?

Arnold Toynbee (1889-1975) iniciou sua trajetória de historiador como um estudioso da Grécia na Antiguidade e no período bizantino, mas os conflitos que marcaram a Europa na primeira metade do século XX o inspiraram a dedicar boa parte de sua carreira à História das Civilizações em perspectiva comparativa. A Grande Guerra fez com que muitos intelectuais questionassem a legitimidade dos nacionalismos exacerbados que haviam resultado em tamanha brutalidade. Para Toynbee, o nacionalismo foi um dos desencadeadores da guerra de 1914-1918, e para problematizá-lo, propôs um estudo de história que focasse não nos estados nacionais individuais, como era praxe da História Política Tradicional, mas sim em entes mais abrangentes: as civilizações. Para esse autor, “seria preciso sempre partir do todo – a História das Civilizações – para somente depois atingir as suas partes, representadas pelas histórias dos povos e nações” [Barros, 2009, pp.223].

Em 1921, ao mesmo tempo em que nutria essas reflexões, Toynbee, então professor de história grega na Universidade de Londres, teve a oportunidade de passar uma temporada na Grécia e na Turquia (então Império Otomano) fazendo pesquisas. Na ocasião, o mundo assistia aos momentos finais da chamada “questão oriental” que deixara a Europa suspensa durante décadas — o Império Otomano, há muito decadente, amargava derrota na Grande Guerra: seus antigos domínios foram repartidos entre as potências europeias vitoriosas e Constantinopla se encontrava ocupada por uma força conjunta internacional liderada pelos britânicos. Na porção ocidental de seu império, os otomanos travavam cruenta guerra contra os gregos, que almejavam tomar a Anatólia e fundar uma Grande Grécia baseada em uma visão mítica de um Império Bizantino redivivo. Como historiador e bom observador, Toynbee buscou examinar a questão de forma ampla: “Eu vi tudo o que pude a respeito da situação, tanto do ponto de vista grego quanto do turco, em várias partes dos dois países” [Toynbee, 1922, p.13]. Suas reflexões foram publicadas no livro “The Western Question in Greece and Turkey: a study in the contact of civilisations” [1922].

O que nos interessa nesse livro é o que Toynbee considera Ocidente e Oriente. Comecemos por sua ideia de “civilização”. Barros [2009] constata que o conceito de civilização em Toynbee define “um estágio superior que determinada cultura conseguiu atingir” [p.224] e que sua postura rompia “com o uso etnocêntrico que vinha sendo impingido a esse conceito por intelectuais europeus que costumavam aplicar a palavra ‘civilização’ apenas à Cultura Ocidental” [p.224]. No entanto, o livro deixa claro que, embora Toynbee admita a existência de civilizações não-ocidentais, sua argumentação confere superioridade hierárquica à civilização ocidental — devida em grande parte, sem dúvida ao seu poderio econômico, militar e político:

 

“A civilização ocidental joga sombra sobre o resto da humanidade, mas é difícil [...] compreender toda a situação. As outras sociedades humanas, ou as pessoas civilizadas e educadas [dessas sociedades] são muito conscientes do efeito penetrante e acachapante do Ocidente sobre suas vidas públicas e privadas [...].” [Toynbee, 1922, p.15, tradução nossa]

 

A força do Ocidente seria particularmente evidente, para Toynbee, nas regiões que ele chama de Oriente Médio e Oriente Próximo, onde, por conta da proximidade,

 

“a vitalidade superior da nossa influência tem aumentado durante os últimos dois séculos e meio até se tornar suprema, enquanto permanecemos praticamente inconscientes de um processo que agora se força sobre as populações locais a cada momento. A combinação de máximo efeito real com consciência mínima [por parte dos cidadãos ocidentais] transformou o fator Ocidental no Oriente Próximo e no Oriente Médio em geral em uma força anárquica e destrutiva [...]”. [Toynbee, 1922, p.19]

 

No entanto, ainda que reconheça o poder destruidor do Ocidente sobre o Oriente Médio e Próximo, Toynbee avalia que esse poder talvez seja quase o único vetor positivo naquela região:

 

“Sempre que se analisa um movimento contemporâneo — político, econômico, religioso ou intelectual — nessas sociedades, quase sempre esses movimentos são uma resposta ou uma reação diante de algum estímulo ocidental. De alguma forma, o estímulo ocidental está quase invariavelmente presente, e uma iniciativa puramente interna é raramente constatável, talvez até mesmo não existente, porque antes da penetração ocidental começar, as civilizações autóctones dessas regiões tinham de desintegrado parcial ou totalmente. [Toynbee, 1922, pp.19/20]”

                                         

Desse trecho depreende-se que Toynbee reconhece a existência de civilizações não-ocidentais. Todavia, em sua concepção, os homens de tais sociedades teriam perdido a capacidade de atuação autônoma, reduzindo-se a meros reagentes do Ocidente — esse sim, lançado à condição de ente que provoca mudanças, de demiurgo da História. Toynbee não diz que as sociedades do Oriente sempre foram estagnadas, mas defende que nos últimos séculos chegaram a tal nível de paralisia interna que o Ocidente se tornou a força motriz que causa mudança nos orientais. Ou seja: o Oriente muda graças ao Ocidente. Mais do que isso: o Ocidente parece se colocar como modelo que o Oriente talvez um dia siga:

 

“Pode-se pensar que civilizações ocidentais, próximo-orientais e médio-orientais têm identidades imutáveis [...]. É mais difícil ter em mente que nenhuma dessas três é estacionária, e enquanto o Oriente Próximo e Médio estão se aproximando do Ocidente, em intensidades, intervalos e ângulos diferentes, o Ocidente está se movendo em um curso próprio.” [Toynbee, 1922, p.30, tradução nossa]

 

Contraposições desse tipo são abordadas por Said [2003] como tipicamente orientalistas: é muito comum caracterizar os chamados orientais como estacionários e heterônomos, ao passo que os ocidentais são vistos como dinâmicos e progressistas. Uma vez que constatamos traços de orientalismo no pensamento de Toynbee, seria de se esperar que, em um livro abordando a Grécia e a Turquia, ele denominasse o império do sultão islâmico como oriental e colocasse a Grécia no perímetro do Ocidente. Afinal, trata-se do suposto berço da civilização ocidental, especialmente devido às suas contribuições para a filosofia e para a política. Atenas é vista como local de surgimento de dois atributos considerados tipicamente ocidentais: a racionalidade e a democracia. Segundo o antropólogo britânico Jack Goody [2006], a ideia artificial de “Antiguidade Clássica”, composta fundamentalmente por Grécia e Roma — geralmente considerada de forma apartada de outras sociedades antigas “orientais”, como Egito e Fenícia —, é tomada como ponto inicial de uma progressão histórica que resultaria no mundo europeu atual, cujas características políticas e sistemas de valores seriam descendentes diretos da ágora ateniense e da república romana. Nesse sentido, o filósofo ganense Kwame Anthony Appiah (2016) afirma que, para embasar a ideia de “civilização ocidental”,

 

“Nós forjamos uma grande narrativa sobre a democracia ateniense, a Magna Carta, a Revolução Copernicana, e assim por diante. [...] A cultura ocidental era, em sua essência, [supostamente] individualista, democrática, liberal, tolerante, progressiva, racional e científica. Não é importante [para a narrativa] que a Europa pré-moderna não tenha sido nada dessas coisas, e que até o século passado democracia era exceção na Europa [...].” [Appiah, 2016, sp.]

 

No entanto, Toynbee surpreendentemente não considera a Grécia como ocidental. Isso pode ser percebido já nas primeiras páginas, quando ele diz, a propósito das tensões legadas pela Grande Guerra, que

 

“Os destinos de Inglaterra, França, Alemanha e até dos Estados Unidos foram obviamente afetados pela política dos governos gregos, otomanos, entre outros orientais, e centenas de milhares de soldados ingleses, a muitos milhares de soldados franceses, alemães e austríacos, servindo no Oriente, estavam constantemente nos pensamentos de suas famílias em casa.” [Toynbee, 1922, p.16, tradução nossa]

 

Nessa pequena passagem, fica claro que Toynbee concebe o Ocidente como algo externo à Grécia, e conseguimos apreender o sentido do título e do livro: trata-se da relação do Ocidente com algo não-ocidental: a Grécia e a Turquia. Mais adiante, afirma que há perigos na “relação trilateral entre a civilização ocidental, a Turquia e a Grécia” [Toynbee, 1922, p.49]. Para o historiador, a Grécia se interpõe entre Ocidente e Turquia, e os estadistas ocidentais não podem se dar ao luxo de deixar as relações entre Grécia e Turquia se deteriorarem. Fica claro que, embora Toynbee reconheça o peso da Grécia no imaginário ocidental, ele não considera a Grécia ocidente, mas sim, oriente. Mais especificamente, Oriente Próximo, ou seja: uma região geograficamente mais próxima do Ocidente, mais permeável e mais influenciável por este, mas ainda assim sem deixar de ser Oriente. Sua definição é clara:

 

“O termo “Oriente Próximo” é utilizado neste livro para denotar a civilização que cresceu das ruínas da antiga civilização helênica ou greco-romana na Anatólia e em Constantinopla, simultaneamente ao crescimento da nossa civilização no Oeste. As duas sociedades tinham um pai comum, eram da mesma idade e mostraram incialmente o mesmo poder de expansão, mas os paralelos acabam aqui. A civilização ocidental (quaisquer que sejam suas limitações) tem até agora continuado a progredir e a se expandir, enquanto o a civilização próximo-oriental, após um início mais brilhante, inesperadamente desmoronou no décimo primeiro século depois de Cristo, e caiu em um incurável declínio [...]”. [Toynbee, 1922, p.20, tradução nossa]

 

Desse trecho, depreende-se que Toynbee considera de maneira preeminente não a chamada Grécia clássica da pólis ateniense, mas sim a época do Império Romano oriental, (comumente conhecido como Império Bizantino), que teria dado as bases para a chamada civilização próximo-ocidental. Dessa forma, tanto o Império Otomano quanto a Grécia moderna seriam partes distintas do Oriente Próximo na acepção de Toynbee. Note-se também que o Império helênico de Constantinopla foi tomado pelos otomanos muçulmanos a 29 de maio de 1453; Atenas foi capturada em 1458 e em 1460 todo o Peloponeso estava sob a égide islâmica. Por quase 400 anos o território da atual Grécia foi parte do Império Otomano, e o moderno estado helênico nasceu de uma guerra de independência contra o sultanato (1821-1830). Para Toynbee, os gregos devem sua vitória nessa guerra ao Ocidente:

 

“[...] a sobrevivência de comunidades do Oriente Próximo e do Oriente Médio após a queda de suas próprias formas de vida e diante da expansão ocidental tem sido possível apenas pela adoção de certos elementos ocidentais. O atual estado nacional grego jamais poderia ter sido construído, como o fez desde 1821, se durante o século anterior numerosos gregos não tivessem adquirido métodos comerciais e educacionais ocidentais.” [Toynbee, 1921, p.31]

 

Considerações finais

Como fica claro, para Toynbee, a atual Grécia é Oriente. É Oriente porque em seu passado há a trajetória da porção oriental do Império Romano e, depois disso, quase quatro séculos de domínio turco, que os gregos conhecem como “tourkokratia” (Clogg, 2017). E o desenvolvimento grego dos últimos tempos teria se dado principalmente pela permeabilidade da Grécia ao Ocidente — um Ocidente que o autor considera claramente externo aos gregos modernos:

 

“[...] a Grécia está em contato mais próximo com o Ocidente do que seus vizinhos próximos-orientais estão. Ela é mais permeada do que eles pela educação ocidental e mais dependente de comércio com países ocidentais. Nas capitais comerciais e sociais da Europa Ocidental e dos Estados Unidos — Londres, Paris, Viena, Manchester, Liverpool, Marselha, Trieste, Nova York, Chicago, São Francisco —, existem colônias gregas. Muitas famílias viveram no Ocidente por muitas gerações consecutivas, contraíram matrimônio em famílias ocidentais, se naturalizaram como cidadãos de estados ocidentais, enviaram seus filhos às melhores escolas de seus países adotivos, e se tornaram ingleses, franceses, austríacos ou americanos em tudo exceto pela tradicional lealdade à pátria mãe. [Toynbee, 1922, p.47].”

 

A ideia de uma Grécia oriental contemporânea oriental que se desenvolve na medida em que adere a padrões de um Ocidente externo a ela — na medida em que se ocidentaliza — é uma concepção incomum, dada a imagem, em grande parte mítica, da Grécia como berço da civilização ocidental. O Próximo Oriente grego de Toynbee ilustra, portanto, uma das ideias centrais de Edward Said: não existem um Ocidente e um Oriente concretos, verificáveis no processo histórico, e sim representações, carregadas de questões políticas e culturais, de sociedades que podemos encaixar como ocidentais e orientais. Como essas representações são elas mesmas históricas, mudam ao longo do tempo. Consequentemente, as definições de Oriente e Ocidente estão sempre transitando.

 

Referências

Felipe Alexandre Silva de Souza é doutorando em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF), bolsista CNPq e integrante do Núcleo de Estudos Contemporâneos (NEC/UFF).

 

APPIAH, Kwame Anthony. There is no such thing as western civilisation. Disponível em: https://www.theguardian.com/world/2016/nov/09/western-civilisation-appiah-reith-lecture.

CLOGG, Richard. História concisa da Grécia. São Paulo: Edipro, 2017.

GOODY, Jack. The theft of History; Cambridge: Cambridge University Press, 2007.

SAID, Edward. Orientalism. New York: Vintage, 2003.

TOYNBEE, Arnold J. The Western Question in Greece and Turkey: a study in the contact of civilisations. London: Constable, 1922.

4 comentários:

  1. Boa tarde, Felipe. Parabéns pelo seu trabalho e agradeço por estar compartilhando suas reflexões e estudos nesta Comunicação. A pergunta que me veio em mente é: se há uma articulação entre as nomenclaturas "Oriente", "Próximo Oriente", "Oriente Médio", ou até mesmo "Extremo Oriente"? Isto é, se elas são definições distintas entre si, ou todas elas são englobadas numa única definição de "Oriente"? Considerando que a ideia de "Oriente", como você mencionou Said, é fruto de um processo histórico e também é dependente de condições em loco.

    Levi Yoriyaz

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    1. Boa noite, Levi, obrigado pela pergunta!
      Até onde sei, o termo Oriente Médio começou a ser utilizado na Europa no início do século XX para definir a região do mundo entre o Egito e a Índia. Enquanto isso, "Oriente Próximo" costumava ser utilizado para se referir aos territórios que o Império Otomano possuía nos Balcãs, no que hoje chamamos de Europa Oriental.
      No entanto, até a Segunda Guerra Mundial, parece que muitas vezes esses termos, Oriente Médio e Próximo, eram utilizados como sinônimos, sem muito rigor. Por exemplo, nos documentos diplomáticos dos EUA em 1945, eles se referem a Irã, Turquia, Grécia, etc, como regiões do Oriente Próximo. Depois da Segunda Guerra, com a consolidação da preeminência dos EUA, a importância das reservas de petróleo dos países árabes, etc, o termo "Oriente Médio" passou a ser cada vez mais utilizado para se referir apenas aos países árabes da Ásia e, às vezes, à Turquia. Quanto à Grécia e o restante dos Balcãs, a referência passou a ser "Europa Oriental" ou "sudeste europeu". Hoje em dia o termo "Oriente Próximo" quase não é utilizado.
      Quanto à questão do "Extremo Oriente", eu não sei te dizer com exatidão, mas me parece que foi um termo que se tornou comum na época do Império Britânico, sendo utilizado no século XIX para fazer referência às colônias britânicas a leste da Índia (como por exemplo Birmânia e Cingapura).

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