Emannuel Henrich Reichert

 GRIFFIS E A LENDA DO ORIENTAL: UMA DENÚNCIA DO ORIENTALISMO ANTES DE SAID


O termo orientalismo hoje possui dois significados, ao mesmo tempo distintos e interconectados. Isso ocorre devido a uma narrativa histórica bem conhecida dos pesquisadores de culturas asiáticas e que pode ser descrita rapidamente graças a essa familiaridade.

Antes de 1978, entendia-se por orientalismo ou estudos orientais uma disciplina acadêmica, em certos aspectos semelhante aos area studies atuais. O objeto de estudo do orientalismo abrangia um “Oriente” definido de forma vaga, que englobava aproximadamente toda a Ásia e Norte da África, ou seja, o rótulo de orientalista se aplicava igualmente a historiadores do Antigo Egito, etnógrafos dos povos árabes, linguistas interessados no sânscrito e na literatura religiosa hindu ou tradutores de textos confucionistas. Nesta acepção original, o termo era considerado neutro e descritivo: era-se um orientalista como hoje se é um pesquisador de história das religiões no Brasil ou de literatura japonesa moderna.

Tudo mudou em 1978, quando foi publicada a primeira edição do Orientalismo de Edward Said, obra que revolucionou o entendimento do termo. Said denuncia o orientalismo, pelo que entende um sistema de saber-poder foucaultiano em que: 1) se cria por uma rede de discursos um lugar chamado Oriente a partir da homogeneização de povos e culturas diversos; 2) o Oriente é sempre entendido em referência a um Ocidente onde se situam os orientalistas e seu público; 3) a característica fundamental do Oriente é ser exótico, estranho ou inferior segundo as concepções ocidentais, em suma, ser diferente do Ocidente em sentido negativo (estático em oposição a dinâmico, emotivo em oposição a racional, despótico em oposição a livre e assim por diante); 4) a disseminação dos estereótipos do Oriente e do oriental cumpre a função de facilitar e legitimar a dominação imperialista, seja na forma dos impérios europeus ou das ações militares contemporâneas no Oriente Médio. Uma distinção fundamental feita por Said é que seu conceito de orientalismo extrapola o âmbito acadêmico:

 

“Desta forma, uma imensa quantidade de escritores, entre os quais poetas, romancistas, filósofos, teóricos da política, economistas e administradores de impérios, aceitou a distinção básica entre Oriente e Ocidente como ponto de partida para teorias sofisticadas, epopeias, romances, descrições sociais e relatos políticos acerca do oriente, seu povo, costumes, “mente”, destino e assim por diante”. [Said, 1979, p. 2-3]

 

Desde então o pensamento de Said ocupa lugar central na compreensão do imaginário ocidental a respeito da Ásia e mesmo os críticos orbitam em torno de sua concepção do orientalismo. Alguns apontam exceções problemáticas à teoria, em particular o caso da tradição orientalista alemã, intelectualmente profícua sem, no entanto, estar conectada a um império colonial [Irwin, 2006]. Outros discutem se o orientalismo saidiano se aplica a este ou aquele país; por exemplo, Orlando Figes sugere que a Rússia é uma exceção aos argumentos de Said porque os russos nutriam uma ambivalência diante da Ásia, sentindo-se europeus frente aos asiáticos, mas asiáticos frente aos europeus (o que, a meu ver, apenas reforça a tese de Said em vez de abrir uma exceção a ela, porque a mentalidade apontada por Figes pressupunha a distinção fundamental entre asiáticos e europeus, embora os russos mesmos se considerassem em uma espécie de posição liminar) [Figes, 2002, p. 380]. Há ainda tentativas de combinar o conceito de orientalismo com outras perspectivas, como a decolonialidade e as categorias de gênero, raça e classe [Assunção, 2020]. Em todo caso, apesar de poderem ser apontados defeitos na obra de Said, como em qualquer outra, a carga de ignorância, preconceito e projeções facilmente constatada nos discursos e estereótipos predominantes acerca do suposto Oriente leva a crer que ele apontou na direção de um problema real.

Assim o orientalismo passou de uma pretensa inocência vinculada ao imperialismo à experiência crítica e reflexiva das ligações entre saber e poder. Ou, ao menos, essa é a narrativa habitual. Pretendo aqui complicá-la um pouco através da análise de uma fonte que já em 1912 antecipa algumas das principais críticas de Said ao orientalismo. Trata-se de um breve artigo de cinco páginas escrito por William Elliot Griffis, intitulado “A literary legend: “The oriental”” (“Uma lenda literária: “O oriental””) e publicado no Journal of Race Development (Revista de Desenvolvimento Racial).

O Journal of Race Development era uma publicação acadêmica americana dedicada a relações internacionais. A introdução ao primeiro número expressa um posicionamento paternalista e condescendente, fundamentado na aceitação de uma hierarquia entre as raças humanas, se bem que algo progressista para os padrões da época ao pensar no bem dos explorados. Embora tivesse por objetivo “a discussão de problemas relacionados ao progresso de raças e Estados em geral considerados atrasados em seus padrões civilizatórios”, a meta da revista era “buscar descobrir não como as raças mais fracas podem ser melhor exploradas, mas como podem ser melhor auxiliadas pelas mais fortes” [Blakeslee, 1910, p. 1]. Por sua vez, William Elliot Griffis era um religioso americano e orientalista renomado, que morou no Japão Meiji por anos dando aulas e produziu uma vasta obra mostrando a cultura japonesa ao público anglófono, com destaque para a história do Japão chamada The Mikado’s empire (O império do micado). Griffis abre o artigo em tom acusatório:

 

“Foi desenvolvida uma lenda literária que põe em oposição distinta o dito Oriente e o afetuosamente chamado Ocidente. Poetas, dramaturgos, escritores sentimentais, romancistas e criadores de aparatos sensacionais para os palcos, filmes e jornais de vendagem rápida criaram o “oriental” da imaginação, fantasia, preconceito e intolerância, que não tem contraparte real nem jamais existiu. Tornou-se um “interesse”, um artigo comercial de primeira necessidade, uma especulação permanente e sempre promissora representar “o oriental” como um ser de forma humana cuja natureza é fundamentalmente diferente daquela do “ocidental”. Esse delineamento e contraste tem valor mercantil. Ele compensa naquilo que o americano tanto ama – dinheiro. Aumenta a venda de ingressos nas bilheterias. Faz a alegria da multidão. O político em busca de votos aprova como se fosse a melhor ortodoxia. Foi até usado por certos tipos de pregadores e propaganda missionária para apoiar dogmas de suposta origem cristã” [Griffis, 1912, p. 65].

 

Uma comparação entre esta passagem e o trecho de Said citado anteriormente mostra algumas semelhanças nítidas e diferenças não menos importantes, sendo especialmente dignas de nota as questões de saber e de poder. Griffis percebe claramente que o oriental é uma criação discursiva sem correspondente na realidade. A invenção retórica dessa figura desumanizada ocorre de forma difusa nas artes, meios de comunicação e na política, prosperando na falta de conhecimentos capazes de combater a ignorância e que fujam aos estereótipos predominantes. Griffis lamenta a situação em termos que, ao menos no Brasil, continuam verdadeiros um século mais tarde:

 

“Compare as montanhas de literatura caricata e de apelo às paixões e motivos egoístas com a escassez de verdade, conhecimento e informações exatas. Na maioria das histórias “do mundo” populares ou que mais vendem, um quarto do mundo e da raça humana costumam receber uma fraçãozinha do último volume em séries de doze ou mais. Nossos atlas, que devotam dezenas de páginas a condados, estados e países, em geral dão um cantinho à China e Japão e uma única página para toda a Ásia” [Griffis, 1912, p. 66].

 

Essa passagem sugere que o autor crê na necessidade de mais conhecimento sobre a Ásia para superar as noções equivocadas acerca do Oriente e do oriental, o que, por sua vez, pressupõe a existência de um saber confiável sendo produzido. De fato, Griffis não culpa os orientalistas pela situação de ignorância, não os menciona em sua lista de responsáveis que vai dos poetas aos jornais. Eis um ponto central em que ele e Said seguem em direções opostas. Griffis separa os “homens de ciência” sérios e capazes de enxergar além dos preconceitos populares, como ele próprio, dos escritores românticos que falseiam a verdade com exageros:

 

“Eu, por exemplo, após conhecer o povo japonês por quarenta e seis anos e conhecer jovens e adultos chineses por quase quarenta anos, não reconheço “o oriental” da imaginação popular. Não se deve confundir um espantalho com um homem vivo, nem a versão de um bajulador com uma verdadeira tradução. Para quem viveu entre os japoneses e sabe algo de sua história, literatura e arte é impossível concordar com o impressionista Hearn, ou com os caluniadores vis cujo motivo, direta ou indiretamente, é fama ou dinheiro” [Griffis, 1912, p. 68-69].

 

Griffis menciona dois exemplos de escritores propagadores do mito do oriental: Lafcadio Hearn, autor de tendência romântica e idealizadora do Japão tradicional e possivelmente o maior divulgador do país na época, e Edwin Arnold, autor do então famosíssimo poema A luz da Ásia, sobre a vida do Buda. Enquanto Said denuncia a distorção inerente a um saber posto a serviço do poder, Griffis luta a velha batalha entre pesquisadores sérios e vulgarizadores de grande sucesso comercial, mas desprovidos de maior rigor analítico. Ele percebe o problema real da invenção do oriental e aponta corretamente diversos responsáveis; entretanto, deixa de questionar se há alguma relação com a diplomacia das canhoneiras que abriu o “Oriente” ao comércio e evangelização, sem a qual ele mesmo e os demais “homens de ciência” não poderiam ter mantido contatos por décadas com japoneses e chineses. O saber produzido pelos orientalistas parece neutro, ocultando a relação com o imperialismo ocidental, que com frequência foi necessário para os pesquisadores terem acesso a seu objeto de estudo, além de colocar as partes envolvidas em uma clara disparidade de forças.

Não que Griffis esteja cego ao vínculo entre orientalismo e relações de poder, tanto que inclui os políticos entre os disseminadores do mito do oriental. Contudo, mais uma vez silencia quanto ao imperialismo; o alvo de seu ataque é o mito do perigo amarelo. Segundo essa teoria da conspiração então em voga, os povos asiáticos representavam uma ameaça à civilização ocidental, especialmente os japoneses, que haviam demonstrado capacidade militar nas guerras contra a China (1894-1895) e Rússia (1904-1905). A histeria racista produziu efeitos práticos em diversos países na forma de restrições à entrada de emigrantes asiáticos, considerados impossíveis de assimilar às culturas locais. O Brasil fez parte da onda anti-asiática, visto que a Constituinte de 1934 aprovou limitações imigratórias voltadas à contenção do fluxo crescente de japoneses ao país [Leão Neto, 1989]. Nos Estados Unidos, onde estava o público-alvo do artigo, também houve consequências: o Chinese Exclusion Act de 1882 restringiu a entrada e naturalização de chineses [Ruskola, 2013, p. 141-148]. Em 1907, o governo japonês foi persuadido a limitar voluntariamente a emigração para os Estados Unidos antes que o Congresso criasse barreiras discriminatórias [Atkinson, 2016, p. 96]. Ao atacar a alterização dos “orientais” que embasava o suposto perigo amarelo, Griffis assume posição contra o preconceito. O texto condena a paranoia e os interesses econômicos e militares associados a ela:

 

“Na busca por fama, dólares, votos e verbas do Congresso para uma marinha colossal, o que nossos jornais não permitem? No que nossos concidadãos não acreditam? Consulte os arquivos dos nossos periódicos desde a guerra entre Rússia e Japão. Contemple o indescritível chinês, que com “astúcia” e “ardis” mantém um harém secreto de mulheres brancas. Observe a horda incontável vinda da China que está prestes a nos sobrepujar. Preste atenção naqueles regimentos de ex-soldados japoneses treinando no Havaí! Veja as numerosas fotos que os espiões japoneses estão tirando dos nossos fortes. Veja a Baía Madalena [na costa pacífica do México] sendo sondada para as fortificações do Micado. Será que a ignorância pode ir mais longe que em alguns filmes baratos quando mostram a determinação resoluta dos estadistas de Tóquio em reduzir os Estados Unidos a uma colônia do Japão. Quase se pode ver [o almirante japonês] Togo e sua frota se aproximando da costa enquanto alguns talvez esperem, na agonia do alarme, ouvir o rangido das correntes que baixam as âncoras de seus navios de guerra na Baía de São Francisco” [Griffis, 1912, p. 68].

 

Pode-se observar que Griffis denuncia com veemência um problema real, embora não leve seus argumentos às conclusões lógicas; ele se preocupa mais com o efeito doméstico da hostilidade ao oriental que com as ações imperialistas que tal forma de pensar legitimava no exterior, exceto pela menção vaga à marinha. A mesma percepção parcial acontece no tocante a questões de gênero. Ele estava ciente da idealização e sexualização das mulheres e demonização dos homens “orientais”, pelo que culpa os escritores sensacionalistas para quem “é claro que as japonesas superam Eva, Vênus, Martha Washington e a Rainha Vitória, mas os homens são feios, traiçoeiros e capazes de toda espécie de mesquinharia e maldade” [Griffis, 1912, p. 68].

 

A afirmação parece exagero retórico, mas é um resumo confiável do que se encontra em numerosos relatos contemporâneos. Sirvam por todas esta passagem do impressionista português Wenceslau de Moraes, parte de uma divagação extensa e erótica sobre os fascínios da mulher japonesa seguida de uma descrição sucinta da feiura do homem:

 

“Mas quando a mulher japonesa está prestes a despir-se dos seus feitiços, passados os vinte anos, é então, na pujança dos primores, como um pomo maduro, que a sua gentileza se torna, por um dia, doidamente fascinadora. Alva a ponto de deslumbrar, na plena graciosidade das formas, no pleno jogo dos gestos, banhada no negro das pupilas por uma ternura de quem se despede, alcança seduções de visão, auréolas de sacerdotisa de um culto, que fosse todo magia e todo amor. Como a gente desejaria adorá-la no enlevo de uma casinha de madeira, na paz solene da paisagem, e beber nos seus lábios os últimos sorrisos, e escutar-lhe as últimas quimeras, e servi-la nos últimos caprichos! […]

“Deixando a musumê e passando ao homem, a diversão é desoladora; é transitar de um sorriso para uma careta, de um nimbo róseo de alvorada para um negrume carrancudo de borrasca. São realmente muito feios os japoneses, nas suas figurinhas de quase pigmeus, nas suas frontezinhas baças coroadas pela trunfa hirta, nos seus pelos espetados de barbichas rudimentares, nos seus olhinhos piscos e matreiros” [Moraes, 1897, p. 154, 160].

 

O exemplo acima, ao qual muitos outros podem ser acrescentados, demonstra a existência de fato da relação entre orientalismo e gênero percebida por Griffis. Mas conceder crédito demais a uma observação en passant pode ser tão equivocado quanto ignorá-la; aí, como nos demais tópicos, o autor faz um comentário perspicaz e segue adiante, sem se preocupar em aprofundá-lo – por exemplo, mediante análises de como os estereótipos promovem uma visão do Oriente ao mesmo tempo grotesco e sedutor, repugnante e merecedor de conquista (seja a amorosa da mulher ou a conquista literal pelas armas).

Desnecessário dizer que o breve artigo de Griffis não substitui a obra de Said. Sejam quais forem as falhas de Orientalismo, trata-se de uma obra de considerável vigor teórico e analítico. Griffis antecipa alguns pontos centrais desenvolvidos por Said, mas não os desenvolve, o que se percebe mais claramente em seu pouco interesse pelo imperialismo. Não obstante, o valor testemunhal do texto é grande: comprova a possibilidade de, em plena Era dos Impérios, um pensador mergulhado na tradição orientalista ser crítico dela. Terá ele sido uma exceção solitária, vox clamantis in deserto, ou será que o orientalismo era diversificado o bastante para conter uma corrente contra-hegemônica? Só teremos certeza após mergulhar mais uma vez nessas fontes, hoje tão controversas, em busca de sinais de dissidência e investigar não o que diziam do “Oriente”, mas dos demais orientalistas.

 

Referências

Emannuel Henrich Reichert é Doutor em História pela Universidade de Passo Fundo. Atualmente trabalha na Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão do Estado do Rio Grande do Sul.

 

ASSUNÇÃO, Naiara. “Orientalismo”: O conceito de Edward Said e suas críticas. In BUENO, André (org.). Estudos em história asiática e orientalismo no Brasil. Rio de Janeiro: SobreOntens/UERJ, 2020, p. 138-143.

ATKINSON, David C. The burden of white supremacy: Containing Asian migration in the British Empire and the United States. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2016.

BLAKESLEE, George H. “Introduction” in JOURNAL OF RACE DEVELOPMENT, v. 1, n. 1, jul. 1910, p. 1-4.

FIGES, Orlando. Natasha’s dance: A cultural history of Russia. New York: Metropolitan Books, 2002.

GRIFFIS, William Elliot. “A literary legend: “The Oriental”” in JOURNAL OF RACE DEVELOPMENT, v. 3, n. 1, 1912, p. 65-69.

IRWIN, Robert. For lust of knowing: The Orientalists and their enemies. London: Penguin Books, 2006.

LEÃO NETO, Valdemar Carneiro. A crise da imigração japonesa no Brasil (1930-1934): Contornos diplomáticos. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 1989.

MORAES, Wenceslau de. Dai-Nippon: O grande Japão. Lisboa: Imprensa Nacional, 1897.

RUSKOLA, Teemu. Legal Orientalism: China, the United States, and modern law. Cambridge: Harvard University Press, 2013.

SAID, Edward W. Orientalism. London: Penguin Books, 2003.

20 comentários:

  1. Bom dia, Dr. Emannuel H. Reichert. Queria dizer que a sua apresentação foi muito interessante para mim, e a ligação que você faz entre o artigo de William Elliot Griffis (que, de minha parte, eu não conhecia) e Edward Said. Gostaria de perguntar se há algum indício de que E. Said conheceu Griffis e seu texto? De minha parte, procurei uma referência em seu livro "Orientalism", mas lá não encontrei nada. Desde já muito obrigado!
    Javier Octavio Guerin

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    1. Javier,
      Até onde sei não há indícios. Apesar da dificuldade de provar com certeza uma negativa, considero pouco provável, visto que os dois se interessavam por regiões diferentes.
      Já que a hipótese de influência direta é remota, o próximo passo é mergulhar mais a fundo na literatura orientalista para investigar se Griffis foi um caso isolado (logo, os dois teriam chegado de forma independente às suas conclusões) ou se havia outros orientalistas críticos do orientalismo como ele, situação em que uma influência indireta sobre Said é possível.

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  2. Prezado Sr. Emannuel Henrich Reichert, congratulações pela Comunicação. Gostaria de compartilhar alguns questionamentos que a leitura da mesma me suscitou:

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  3. A leitura da Comunicação desperta uma curiosidade metodológica importante: não haveria uma desproporção na postura de Griffis, visto que ele se coloca numa iniciativa de crítica à visão europeia sobre realidades asiáticas como um todo, porém falando de um ponto de vista bem reduzido (apenas o Japão e a China) comparado com esta mesma Ásia bem mais ampla? Até que ponto a crítica dele é suficiente para responder por todas as realidades asiáticas?

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    1. Matheus,
      Antes de mais nada, agradeço o interesse e as considerações.
      De fato, Griffis tenta falar da Ásia como um todo e faz referência a muçulmanos, Índia, etc, mas está muito mais focado em Japão e China. Um pouco pelos interesses particulares dele e um pouco por questão prática, pois japoneses e chineses eram o alvo da histeria antioriental nos Estados Unidos enquanto ele escrevia.

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    2. Compreendo, Sr. Sr. Emannuel Henrich Reichert... de fato, sinto que esta histeria em específico de estadunidenses sobre japoneses e chineses ainda é pouco enfatizada nos estudos de orientalismo no Brasil (não porque não é citada, pelo contrário, mas porque não é destacada enquanto um momento com suas particularidades...)

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  4. Será que ele não teria gerado, igualmente, uma construção distorcente, problemática, do Japão onde viveu, tendo em vista a crítica registrada nesta Comunicação acerca da própria percepção de Griffis que “deixa de questionar se há alguma relação com a diplomacia das canhoneiras que abriu o ‘Oriente’ ao comércio e evangelização, sem a qual ele mesmo e os demais ‘homens de ciência’ não poderiam ter mantido contatos por décadas com japoneses e chineses”, que “silencia quanto ao imperialismo” e “faz um comentário perspicaz e segue adiante, sem se preocupar em aprofundá-lo”? Até que ponto a abordagem de Griffis é metodologicamente suficiente dentro do escopo por ele estabelecido?

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    1. Ele nem sempre seria aprovado pelos próprios critérios! Dou um exemplo rápido abaixo, na resposta ao José Vanzelli: se não soubéssemos que Griffis é autor do artigo contra o orientalismo e do capítulo de livro onde vê com bons olhos a anexação coreana pelo Japão, seria difícil adivinhar que ambos os textos são da mesma pessoa.

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    2. Interessante isso, hein... curioso que, às vezes, Sr. Emannuel Henrich Reichert, eu percebo isso nos estudos indológicos... os mesmos pesquisadores de Índia que a defendem sob o argumento das perversidades políticas calculadas pelo imperialismo europeu, etc, etc, etc não comportam em suas "agendas críticas" alguns fatos que conduzem a uma percepção auto-crítica importante, i.e. a condição da Índia, há décadas, de recordista de estupros femininos, ou a questão de padrões ritualísticos hindus contribuírem, sobremaneira, para diferentes agressões ao meio ambiente, como a poluição de rios...

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  5. Existem estudos críticos mais extensos sobre a visão DELE acerca do Japão no qual habitou?

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    1. Estamos diante de um autor que é mais citado como fonte (praticamente todos que pesquisam o Japão Meiji com base em relatos ocidentais usam Griffis cedo ou tarde) do que objeto de estudos. Edward Beauchamp escreveu vários artigos e uma biografia dele há algumas décadas, mas não uma análise bibliográfica mais profunda - talvez porque a tarefa é dificultada pelo volume de material. Griffis escreveu _muito_ sobre o Japão, incluindo uma história que passou por muitas edições, biografias de missionários e políticos americanos envolvidos com o Japão, artigos, estudos sobre religião, sobre a condição da mulher e assim por diante.

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    2. Compreendo a situação... com efeito, Sr. Emannuel Henrich Reichert, eu acredito que estes desafios aqui citados por Va. Sra. constituem o horizonte de toda pesquisa sobre realidades asiáticas, independentemente da abordagem (historiográfica, filosófica, sociológica, psicológica, linguística, antropológica, etc...), ou seja, um encontro entre (imensa) massa documental e um aparato crítico que dê conta de uma pesquisa atualizada, sem reproduzir equívocos técnicos já cometidos...

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  6. Boa tarde! Parabenizo pelo trabalho! Minha pergunta é a seguinte: Tendo a denúncia de Griffis sido bastante baseada em sua experiência in loco e na convivência de mais de quarenta anos com japoneses e chineses, onde podemos encaixar em seu pensamento um livro como “Korea: The Hermit Nation” (1882), escrito por Griffis (até onde sei – por favor, me corrija se eu estiver equivocado) do Japão sem ter visitado a península coreana? Aproveitando a pergunta feita anteriormente pelo colega Matheus Landau de Carvalho, não poderia Griffis ter feito no século XIX o discurso que ele mesmo denuncia em 1912?
    José Carvalho Vanzelli

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    1. José,
      Sobre Griffis não ter estado na península coreana quando escreveu a respeito: até onde sei foi isso mesmo, tanto que o prefácio do livro discute as vantagens de um livro escrito por um compilador, que reúne informações sem ter passado pelos lugares que descreve.
      Minha impressão é que a Coreia é uma espécie de ponto cego de Griffis onde ele adota a perspectiva evangelizante. Tanto que uma edição do livro escrita após a anexação (já bem passado o século xix e quase na mesma época em que denuncia o orientalismo!) contém uma análise da perspectiva para a Coreia que pode ser resumida em "os japoneses cometeram excessos, mas no geral estão interessados sinceramente em tirar a Coreia do atraso; melhor de tudo, nosso trabalho de conversão lá anda de vento em popa e, se a colônia for convertida, ela pode regenerar o espírito da metrópole como a Palestina conquistada purificou o espírito romano com o cristianismo". Certamente não parece o mesmo sujeito que criticou o orientalismo, e no entanto ele conseguiu produzir o mesmo tipo de discurso que denunciava.

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    2. Emanuel, muito obrigado pela resposta. É realmente interessante ver o caráter dual e, muitas vezes, contraditório desses estudiosos. Parabenizo novamente pelo texto e por resgatar esse nome que, como vc mencionou em uma das respostas, é mais citado do que de fato estudado

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  7. Boa tarde! Primeiramente congratulo pelo seu trabalho e por compartilhar sua reflexão nesta Comunicação. Gostaria de lhe perguntar sobre como você enxerga ou priblematiza a perspectiva de Griffis sobre o real conhecimento a respeito do Japão (por exemplo), ou o que se aproximaria dos "homens de ciência"? Considerando que o argumento que Griffis realiza é baseado em experiência local e em convívio com os japoneses. Porém, sabemos que Lafcadio Hearn, autor que é apontado como romântico e idealizador, segundo Griffis, também residiu no Japão e teve experiências e convívios com a comunidade japonesa.

    Levi Yoriyaz

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    1. Levi,
      O argumento de Griffis não é a respeito da fonte de conhecimento. Como você indica, ele e Hearn ambos viveram no Japão e escreveram a partir do que viveram. A crítica é que Hearn teria se contentado em ficar restrito às impressões pessoais, enquanto os "homens de ciência" vão além delas e analisam os dados de forma "objetiva". Em outras palavras, Griffis acreditava que as ciências humanas podem atingir uma neutralidade comparável à das ciências naturais, o que estava longe de ser ideia exclusiva dele naquele momento - basta pensar na escola rankeana da história como "o que realmente aconteceu".

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  8. Primeiramente, parabéns pela linearidade que seu trabalho apresenta para representar a evolução do termo Orientalismo ao longo da história. Tomando essa linha temporal como parâmetro, como hoje você percebe a relação entre o Orientalismo e o Brasil como parte dessa nova onda anti-asiática? E quais são as diferenças e similaridades entre os dias atuais e a Constituinte de 1934?

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    1. Anderson,
      Podemos dizer que o orientalismo continua bem vivo no Brasil atual como sintoma de um desconhecimento mais amplo do mundo. De forma geral, o Brasil se espelha nos países do Atlântico Norte e só tem um conhecimento mais detalhado sobre eles. Quanto ao resto do mundo, seja a Ásia, a África ou mesmo os países vizinhos, restam os estereótipos. Iniciativas como este simpósio são importantes para produzir um conhecimento mais próximo da realidade, mas ainda temos um longo caminho pela frente.
      Comparando com 1934, existem formas de contato que se intensificaram - não havia uma cultura pop asiática acessível aos brasileiros como a que hoje vem do Japão e da Coreia do Sul (havia um gosto pela arte japonesa, mas era um gosto mais elitizado, de alta cultura). A dependência econômica do Brasil em relação à China também é uma diferença da maior importância. Mas a mistura de medo e ignorância de um "outro incompreensível e distante" continua, apesar de o alvo da época ser o Japão e hoje a China: basta ver a quantidade de pessoas que temem a China mas a desconhecem a tal ponto que estão prontas a acreditar em absolutamente qualquer coisa que escutem a respeito dela. O asiático continua sendo "o diferente" para muitos.

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