André Bueno

 MAS HÁ UMA FILOSOFIA CHINESA?


Já tratei deste tema antes [Bueno, 2004a e 2004b], mas infelizmente ele continua recorrente: há uma Filosofia Chinesa? Podemos doravante utilizar o termo "Filosofia" para os sistemas de pensamento chinês?

A insistência na pergunta tem sua razão de ser: o público acadêmico brasileiro já notou a clara partição, no campo da Filosofia, entre uma pretensa genealogia do saber ocidentalista, que exclui toda e qualquer forma de pensar classificada como ‘Não Ocidental’, ou seja, africanas, asiáticas, indígenas, entre outras; doutro lado, aqueles que postulam a abertura do campo filosófico a novas formas de pensar, e da construção de epistemologias alternativas. Não é preciso se aprofundar muito para notar que, por trás desse conflito, persiste a oposição entre imperialismo e uma visão pós-colonial, em suas várias vertentes [descolonial e decolonial]. O caso da China deixa mais que evidente o problema, pois não se pode mais ignorá-la como uma grande nação, cujas contribuições materiais e intelectuais para a história mundial estão em questão.

Até recentemente, o pensamento chinês podia ficar circunscrito ao domínio da Sinologia, sendo objeto de especialistas. Contudo, as novas dimensões de um diálogo intercultural necessário não suportam mais as restrições impostas a esse conhecimento; impedimentos esses, diga-se de passagem, impostos numa fase recente da história, já que houve momentos nas narrativas das interações Oriente-Ocidente em que a denominação ‘Filosofia Chinesa’ não era um problema, mas simplesmente uma variante.

Entre os sinólogos anglófonos, a questão não foi devidamente discutida, e o pensar chinês pode ou não ser chamado de Filosofia porque ele não precisa ser necessariamente definido - ou seja, a ideia de multiculturalidade (à moda americana, principalmente) torna desnecessária a classificação do pensamento chinês como algo intercambiável (e a atitude comparar a Filosofia chinesa com o pensamento ocidental é algo isolado entre esta linha de sinológos) - assim, o pensamento chinês é o que é, e podemos chamá-lo do que quisermos; e nesse sentido, vários autores usam o termo ‘Filosofia Chinesa’ sem ter que fornecer explicações complementares. Chan Wing-Tsit 陳榮捷 [1979], um dos grandes representantes dessa linha, produz um vasto material no qual empregou o termo ‘Filosofia’ sem receio; mais recentemente, Bryan Van Norden [2018] realizou sua introdução a Filosofia chinesa clássica dispensando uma discussão mais profunda sobre o termo, e Michael Puett realizou um bem sucedido curso em Harvard no qual empregou a ‘Filosofia Chinesa’ na discussão de caminhos para uma melhor qualidade de vida, resultando um livro de grande sucesso nos Estados Unidos [Puett, 2016].

Entre os francófonos, associar o pensamento chinês à filosofia implica, justamente, numa necessidade de diálogo entre ambos, para saber se há algo de conceitualmente comum ou não - o que seria uma postura filosófica extremamente interessante se não fosse a primazia do pensar clássico ocidental sobre qualquer início de discussão, o que torna impraticável, muitas vezes, o processo de associação ou analise conceitual - e enquanto buscarmos no pensamento chinês a existência de "nossos" conceitos ocidentais, estaremos sempre correndo o risco de perder de foco precisamente o que a China pode nos oferecer de novo. Anne Cheng [2005] alinhavou alguns autores que poderiam nos oferecer uma resposta para essa questão, mas o problema central parece ser a própria tentativa de definição da ‘Filosofia’ em oposição a outros sistemas, num processo de reconstrução e autoafirmação que tem gerado incômodos e conflitos.

Enquanto isso, os próprios chineses tem ocasionalmente deixado de lado sua tendência natural a síntese, recorrendo ao termo Zhexue 哲学 como identificador daquilo que significa o ‘pensamento ocidental’ ou ‘Filosofia’ (embora eles costumem estar bem mais cientes da multiplicidade de escolas de pensar no ocidente do que nós estamos sobre o desenvolvimento histórico do pensamento chinês); este deficiente processo de comunicação tem dado margem a banalização recorrente de um entendimento filosófico mais profundo (tanto do pensar ocidental e chinês), cedendo um espaço precioso para as aventuras intelectuais inconsequentes do esoteristas e especialistas de última hora. O pensador chinês Min OuYang [2012] chegou a considerar que não havia necessidade de estabelecer uma associação entre o pensamento chinês e a Filosofia, mas de estabelecer um novo paradigma, a ‘Sinosofia’.

Como sinólogo, não posso afirmar em absoluto que minha opinião será levada em conta, mas assim mesmo gostaria de explicitá-la - e neste caso, a minha situação como brasileiro, um tipo tradicionalmente excluído da intelectualidade mundial - me concede uma posição favorável, já que não sinto a obrigação de filiar-me especificamente a nenhuma das linhas de trabalho anteriormente citadas. Não preciso, pois, aceitar a imposição de nenhum pacote completo de ideias, e não preciso salvaguardar nenhuma suposta ‘superioridade cultural’ (embora os brasileiros, erradamente, se considerem muitas vezes mais capazes do que qualquer outra civilização no mundo). A posição do qual busco partir visa unicamente tentar compreender por que razões posso considerar o pensamento chinês uma Filosofia, e se há vantagens em aceitar esta atitude.

Por conseguinte, busquemos entender primeiramente a relação conturbada entre a Sinologia - área de estudo que dedica-se a estudar especificamente a cultura e história chinesa - e a Filosofia, que clama para si a primazia do entendimento do pensar ocidental (se é que existe algum, também, que possamos considerar de modo global). Os filósofos, desde Hegel, têm uma má vontade generalizada em aceitar as formas de pensamento asiáticas como filosoficamente válidas. Exceções como Nietzsche, Schopenhauer e Voltaire são lidos em outros aspectos que costumam minimizar a importância das suas influências ‘orientais’, e mesmo autores mais recentes como Deleuze, Derrida e Heidegger tiveram uma atitude discriminatória e preconceituosa com China e Índia. Este último, em um verdadeiro libelo racista, afirmou que ‘a verdadeira liberdade histórica dos povos da Europa é a condição prévia para que o Ocidente venha uma vez mais a si próprio de maneira histórico-espiritual, para assegurar o seu destino na grande decisão da Terra contra o Asiático’ [apud Faye, 2015: 2017] No caso do Brasil, os filósofos têm repetido insistentemente a atitude destes últimos, reproduzindo como papagaios os bordões e palavras de ordem contra o pensamento asiático, engajando-se de modo ignorante num velho solipsismo recalcitrante. O esoterismo surge aí, novamente, como aquilo que não deveria ser - uma opção - para aqueles que buscam saber algo mais sobre o "pensamento oriental", reincidindo numa série de velhos erros e achismos que serão difíceis de desconstruir quando o trabalho sério começar a surgir.

Assim sendo, a relação entre a Sinologia e a Filosofia não poderia ser das melhores. Enquanto a primeira tem por fundamento estudar o outro, a segunda tem buscado, como um adolescente afligindo pelas dúvidas da imaturidade, negar a existência de qualquer coisa fora de si - como se a afirmação do outro negasse e destruísse a sua própria existência. Disto resulta um constante desconhecimento por parte dos filósofos sobre o material que é produzido pela Sinologia, e isto mantém a sua pretensa originalidade e superioridade firmes. A inequívoca decepção aparece quando um ou outro sinólogo, com uma formação mais profunda em Filosofia, é capaz de apresentar ao Ocidente alguma descoberta conceitual ou intelectual que inverte estas relações de poder, colocando a China numa primazia temporal, histórica ou filosófica que causa desconforto e espanto, como é o caso de François Jullien [2010].

Obviamente, estes acontecimentos não tornam a China uma civilização ‘superior’ num sentindo completo da palavra, mas temos que admitir que em alguns casos ela alcançou avanços relevantes. Não raro, quando tenho a oportunidade de lecionar sobre a cultura chinesa, observo a relutância dos alunos (e também, de modo mais discreto, dos professores) em aceitar as conquistas chinesas no campo intelectual e tecnológico, como se estas os inferiorizassem como seres humanos. É uma das poucas oportunidades em que os vejo clamarem por uma ‘igualdade’ cultural e histórica (ainda que a China seja uma entidade milenar), posto que a ideia de sua pretensa superioridade não pode mais se manter.

A postura dos pensadores não tem sido, justamente, ‘filosófica’. Ao negarem as contribuições que a Sinologia pode dar (e por consequência, do que o pensamento chinês pode vir a oferecer), duas condições fatais se criam e engendram-se mutuamente: a primeira, de constatar que a China absolutamente não precisou do termo ‘Filosofia’ para existir como civilização até os dias de hoje, e tal predicado não pode ser deixado de lado (lembremos, estamos a falar de uma cultura altamente sofisticada, complexa e antiga); a segunda, é que é a Filosofia, precisamente, que necessita da China para crescer conceitualmente, historicamente e intelectualmente - o estudo do pensamento chinês (e podemos estender isso para a Índia ou Japão) pode ajudar a reformular a história das ideias, a enriquecer por completo as metodologias e visões de mundo, a quebrar as barreiras antropológicas que separam a distância dos discursos. Sendo a Filosofia uma área acadêmica, e um lócus epistêmico do qual se parte para investigar o mundo, cabe a ela dar esse passo no sentido da Ásia. Mas ao ignorar este lado, o estudo filosófico emperra-se, e torna-se um eterno retorno às suas fontes fundadoras, abrindo poucos espaços realmente novos e originais. Em 1939, o resultado de um simpósio realizado no Havaí, sobre as questões concernentes as dimensões do encontro Oriente-Ocidente, resultou em algumas conclusões bastante significativas, como a de W. Hocking:


“Mas a Filosofia é, basicamente, uma questão de o que uma pessoa vê, e, em seguida, da sua capacidade de fazer uma conexão racional entre o que vê e o que, de alguma outra maneira, sabe; suas premissas são suas observações originais sobre o mundo. Assim, as pessoas que possam acrescentar alguma coisa à nossa visão são o apoio mais importante para o progresso em Filosofia. O próprio fato de o Oriente ter modos diferentes de intuição - o que às vezes se coloca sob a forma enganosa de que há um abismo entre as mentalidades do Oriente e do Ocidente - é o que torna tão importantes para nós suas contribuições à Filosofia e as nossas para eles. É uma felicidade, sob este aspecto, que as Filosofias oriental e ocidental tenham-se desenvolvido separadamente durante tanto tempo. Elas ficaram consolidadas em sua maneira de ver as coisas. Cada uma se tornou a carta régia de uma civilização mais ou menos duradoura. Se a prova de uma filosofia fosse a durabilidade da civilização nela baseada, o Oriente sem dúvida teria muito mais autoridade” [Hocking, 1979, p.21].

 

Podemos afirmar de forma direta e enfática, porém resoluta: a China talvez não precise da chancela ‘Filosofia’, mas a área da Filosofia precisa da China. No entanto, o paradoxo se estabelece: os asiáticos têm estudado a filosofia ocidental com afinco, pois a entendem (corretamente ou não) como parte integrante de sua ciência; enquanto isso, a contextual preeminência do ocidente no panorama mundial lhe dá a enganosa sensação de superioridade cultural absoluta, que trata todas as culturas ‘orientais’ e africanas como absolutamente inferiores (verdade bastante relativa, cujo tempo de existência remonta apenas a segunda metade do século 19 até agora). 

No entanto, toda esta argumentação será puramente panfletária se aquele que a lê não dispor-se a estudar algum material realmente sério sobre o pensamento chinês. Outrossim, alguns avisos breves são necessários para que aquele que se aventurar realmente a encarar o desafio de ler a China e não cometer algum dos erros clássicos dos comentaristas de primeira viagem.

Em primeiro lugar, tomar cuidado com o solipsismo: o aviso não é inútil, apesar de óbvio. Grande parte daqueles que começaram a ler alguma coisa sobre Filosofia Chinesa partiram da tradicional postura de interrogá-la segundo seus próprios referenciais (ditos ocidentais) o que, inevitavelmente, costuma afastar qualquer possibilidade de descobrir algo novo. Claro, não podemos fazer uma leitura absolutamente isenta ou imparcial do pensamento chinês (e acreditar nisso seria um absurdo), mas podemos tentar fazê-la apenas por experimentação - ou seja, deixar somente que uma boa tradução de um texto chinês nos atraia, contanto que estejamos dispostos a absorvê-lo por inteiro e a dialogar com ele. O passo seguinte pode ser estudar chinês para ler no original - e esta é uma língua viva, o que torna excitante a possibilidade de discutir uma filosofia em seu idioma original. Um cuidado especial, pois, é necessário neste tocante:

 

“A questão é que os termos da linguagem comum são perfeitamente adequados, quando desenvolvidos minuciosa e sistematicamente em vários contextos, para transmitir a doutrina técnica de um só filósofo ou teoria filosófica, mas são completamente inadequados para servir de denominador comum em que se possam traduzir sistemas filosóficos diversos para fins de comparação. É o que se dá com vários sistemas ocidentais e orientais. Quando a Filosofia se torna comparada, o caráter do seu simbolismo impede a introdução de uma terminologia técnica. [...] Uma teoria de qualquer espécie, seja científica seja filosófica, é um corpo de proposições, e um corpo de proposições, e um conjunto de conceitos. Os conceitos se classificam em vários tipos de acordo com as diferentes fontes do seu significado. Consequentemente, a designação dos diversos possíveis tipos principais de conceitos devem proporcionar uma terminologia técnica com a generalidade suficiente para incluir como caso especial qualquer possível teoria filosófica” [Northrop, 1979, p.191].

 

Tomando por base uma iniciativa aberta - o que e o mais difícil em todo processo de experiência - a etapa seguinte é aceitar o fato de que a China (e toda sua cultura) não funcionam em nossas linhas gerais de entendimento, e suas expressões lógicas podem ser relativamente diferentes da ‘ocidental’ - mas não significam que são necessariamente ‘lógicas diferentes’, como Júlio Sameiro [2015] apontou. Posto isso, as classificações que usualmente utilizamos - científico, religioso, filosófico, sociológico – podem não funcionar tão bem no caso chinês, pois estes aspectos amplamente se sobrepõem, mas são nosso ponto de partida para uma investigação. O caso da ciência tradicional chinesa é claro: ela utiliza um sistema que tem certa eficácia comprovada (como no caso da medicina, e dentro de parâmetros ocidentais), mas que é empregado também por astrólogos e monges daoístas. O que isso significa? Analogamente, é como se alguém modificasse a astrologia ocidental por causa da descoberta de um novo planeta; temos entre nós uma clara noção de como ambas (astrologia e astronomia) se diferenciam, mas não buscamos ver se o mesmo acontece no caso chinês (e ainda, como acontece). Essa ignorância despropositada tem sido razão de uma relutância tremenda para a aceitação do pensar filosófico chinês como algo "filosofável", mas trata-se puramente tanto de desconhecimento como de preconceito (porque afinal, toda a Filosofia - desde Platão até a época de Galileu - não é refutada, em absoluto, por pautar-se em critérios que hoje não são mais tidos como válidos).

Há que se ter em mente, por fim, que a China é uma civilização milenar, e que o modelo do exemplo tem seu valor. Qual o sistema responsável por sua continuidade histórica? Que conjunto de valores e/ou conceitos foram responsáveis pela coesão interna desta sociedade? A impossibilidade de encontrar qualquer resposta no âmbito do pensamento ocidental remete-nos, inequivocamente, a necessidade de estudá-la; por conseguinte, de descobrir se há algo que podemos aprender com ela e que nos ajude a preservar nossa própria existência.

O pensamento chinês possui uma coerência singular, que podemos considerar um desafio filosófico. Por qual razão, pois, não o encarar? A experiência gratificante da Sinologia apresenta-se como uma inevitável vivência de interculturalidade, que muito poderia contribuir no processo de formação intelectual e humano dos alunos, estudiosos e professores.

 

Referências

André é prof. Adj. de História Oriental da UERJ.

 

BUENO, André. ‘O problema do pensamento asiático: Filosofia ou não?’ Crítica na Rede, 22/09/2004a. Disponível em: https://criticanarede.com/his_filosofiaasiatica.html

BUENO, André. ‘O que é a Filosofia Chinesa?’ Crítica na Rede, 20/08/2004b. Disponível em: https://criticanarede.com/fil_china.html

CHAN, Wing-tsit. História da Filosofia Chinesa. in MOORE, Charles [org.] Filosofia: Oriente-Ocidente. São Paulo: USP/Cultrix, 1979.

CHENG, Anne. 'Y a-t-il un philosophie chinoise?' Extreme Orient-Extreme occident, num. 27, Vincennes, 2005, 5-12.

FAYE, Emmanuel. Heidegger: introdução da filosofia no nazismo em torno dos seminários de 1933-1935. São Paulo : É Realizações, 2015.

HOCKING, William. 'O Valor comparado da Filosofia' in MOORE, Charles [org.] Filosofia: Oriente-Ocidente. São Paulo: USP/Cultrix, 1979.

JULLIEN, François. 'Pensar a partir de um fora (a China)'.  Revista Periferia, v. 2, n. 1, jan./jun. 2010.

MIN, OuYang. 'There is No Need for Zhongguo Zhexue to be Philosophy'. Asian Philosophy, v.22:3, 2012, p.199-223.

NORDEN, Bryan Van. Introdução a filosofia clássica chinesa. Petrópolis: Vozes, 2018.

NORTHROP, Filmer. 'As Ênfases Complementares da Filosofia Intuitiva Oriental e da Filosofia Científica Ocidental' in MOORE, Charles [org.] Filosofia: Oriente-Ocidente. São Paulo: USP/Cultrix, 1979.

PUETT, Michael e GROSS-LOH, Christine. O caminho da vida comum. Lisboa: Lua de Papel, 2016.

SAMEIRO, Júlio. 'Tocar a campainha aqui e na China'. Crítica na Rede, 15/06/2015. Disponível em: https://criticanarede.com/jsameirotocaracampainha.html

27 comentários:

  1. André,
    É sempre um prazer te ler.

    Levantarei algumas problematizações antes de fazer a pergunta pra ti:
    Qual é a sua avaliação da proposta de Min OuYang de um novo paradigma chamado de ‘Sinosofia’?
    Haveria alguma forma de institucionalizar a "Sinosofia" academicamente, como em um novo departamento?
    Se sim, em que estes egressos iriam trabalhar ou onde iriam atuar?

    PERGUNTA: Diante desses questionamentos, me parece uma proposta que só iria isolar mais ainda as filosofias chinesas do debate filosófico acadêmico mundial, você vê dessa forma também, ou vê de forma diferente?

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    1. Oi Matheus, é uma grande alegria contar com sua presença no evento! =)
      Eu acho a ideia de Sinosofia uma proposta sonora, atraente e desafiadora em termos de episteme, e que de certa forma aprofunda a especialização do sinólogo. Contudo, sua inserção no mundo do trabalho ocidental exige que os outros campos mudem também, como a filosofia, história, ciências sociais, etc, que sem abertura, continuarão a dominar, de forma logocentrica e eurofascinada, o acesso a academia. É preciso expandir a inserção da filosofia chinesa dentro desses campos, até para que se possa pensar na criação do seu próprio espaço acadêmico. Por outro lado, esse nascimento pode vir naturalmente interdisciplinar, o que é um ganho em termos de diálogo e pesquisa.
      Quanto a isolar o pensamento chinês, eu concordo, ele já é discriminado na academia... mas a provocação de Min, a meu ver, busca deslocar o problema da classificação filosofia x pensamento x religião x etc... que tem sido esse jogo de empurra para que os intelectuais possam fugir da necessidade de encarar a China como realidade. Resumindo: não sei se o termo pega, mas é interessante pensar em um 'jeito de olhar o pensamento chinês filosoficamente' que pode ser usado num saudável processo de diálogo.
      grande abraço! =)

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    2. Muito obrigado pela resposta!
      Conhecia o texto do Min em que ele propõe a noção de "sinosofia", mas li muito rapidamente. Agora irei ler com mais atenção diante da perspectiva que você propôs, e vou refletir a respeito.
      Abraços

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  2. Olá, André.
    Parabéns pelo texto. A maestria com que você articula as ideias e os assuntos é fantástica.
    Interessante a relação que você faz entre Sinologia e Filosofia num dos parágrafos, apresentando que a primeira se fundamenta em estudar o outro e a segunda, nega a existência desse outro como se ele anulasse a sua própria existência, nas suas palavras. Será que podemos fazer uma analogia entre a sua comparação que compreende o campo filosófico com o fenômeno registrado por Enrique Dussel no campo historiográfico “do encobrimento do outro” quando os “ocidentais” se deparam com “os outros”?
    Obrigada, Talita Seniuk.

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    1. Oi Talita, tudo bem? Obrigado por sua pergunta! =)
      Penso que sua analogia, está absolutamente correta; embora Dussel fale da América, ele bebe da fonte que criou a sistemática da exclusão, o eurocentrismo. Como podemos observar, o Orientalismo dos séculos 18-19 está no cerne da formação teórica da academia europeia, disseminando-se em todos os campos. Não por acaso, o próprio Colombo pensava chegar no 'Oriente', e essa ideia torna-se-á conceito e locus de teorizações de discriminação e apagamento, de forma a impor uma nova ordem hierárquica culturalmente dirigida.
      grande abraço =)

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    2. Oi, André!
      Obrigada pela resposta!
      Abraço, tudo de bom!
      =)

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  3. Bom dia, querido amigo! Tal como na Grécia, vemos que na China a explicação não era com base nos mitos (falo isso porque falam que na Grécia houve uma ruptura com os mitos e adentramento de um pensamento reflexivo-racional que originou a filosofia). Aliás, os mitos si viriam a surgir muito tempo depois.

    Na China tivemos um tipo de pensamento ontológico tal como foram os pré socráticos. Além de outras formas de pensamento mais voltadas para a ética e moral como Confúcio.

    Por que então ainda há essa coisa de que não existe ou existiu filosofia na China se todos os elementos que dizem provar ter havido na Grécia lá existiam também? Seria eurocentrismo, desconhecimento dos chineses?
    Abração

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    1. Arthur meu querido, que coisa boa vê-lo aqui!
      Uma das coisas que aprendi com os gregos e chineses é: porque os deuses criaram os humanos para cultuá-los? Sem os humanos, os deuses não seriam deuses, mas seriam eles próprios os humanos... invoco esse mito pra pensar que as discussões filosóficas não brigaram com as religiões, talvez tenham até tentado entendê-las melhor [apesar das sempre reincidentes acusação de deturpação, próprias dos fanáticos e ignorantes]. Mas se na China não houve esse problema, já na Europa, o monopólio do pensar se tornou no fator de reserva de mercado; e até o século 19, ninguém se preocupava muito em chamar o pensamento chinês de filosofia... foi a definição da necessidade eurocêntrica de re-imaginar o mundo dentro de sua própria lógica que gerou as exclusões, racismos e tudo mais. Contudo, notemos que essa prática se restringe em muito as ciência humanas e medicina; outras áreas não costumam refutar possíveis contribuições, simplesmente as olham dentro de uma avaliação epistêmica [arquitetura, gastronomia, biologia, química, astronomia, apenas pra citar exemplos, dialogam com os saberes chineses de forma pragmática e e franca].
      grande abraço! =D

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    2. Entendo. Muito boa sua explicação. Muito obrigado!
      Abraçãoooo :)

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  4. Boa noite! Gostei bastante do texto e pretendo participar e da apresentação geral que o autor nos ṕropõe sobre o problema de haver ou não uma filosofia chinesa.

    Confesso não entender muito sobre o assunto e pois pegarei gancho nesse diálogo com Arthur D'Elia pra perguntar. Minha dúvida é o quanto um etnocentrismo sob moldes europeus contribuiu para a negação (ao invés da incorporação) da importância do "outro" no pensamento filosófico.

    Sendo a auto-convicção de superioridade algo comum à Europa e às diferentes dinastias chinesas, estaria esse sendo de superioridade colonialista vinculada a um pensamento universalista que nega integralmente a importância do outro? Ou seja, dá pra pensar o etnocentrismo europeu como um senso de superioridade guiado pela eliminação ao invés da assimilação do outro?

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    1. Oi João, obrigado por sua pergunta!
      Penso que o problema da questão 'universal' que surgiu no Ocidente é de que ela é 'universal' se as civilizações forem capazes de assimilar a cultura ocidental e modificarem suas sociedades. Essa é a essência do Orientalismo. Por outro lado, eu acredito sim numa humanidade universal, desde a genética até na construção de valores. Escrevi um outro texto sobre isso, te convido a ler: https://criticanarede.com/etic_confucio.html Talvez isso possa dar uma dimensão dessa discussão. =) abraço!!

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  5. Gostei muito do texto professor! Acredito que todas as culturas acrescentam e devem ser levadas em consideração. Ainda mais a cultura chinesa que é milenar como a indiana.Pergunta de calouro: Quais textos iniciais você aconselha sobre o pensamento chinês e a história da China?
    Luís Cláudio Muniz Miguel.

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    1. Oi Luís, bom dia! obrigado pela pergunta!
      Eu gostaria de sugerir o projeto orientalismo, que administro, e que busca divulgar materiais nesse sentido. Na seção 'webgrafia', veja o link 'sinologia': https://orientalismo.blogspot.com/p/sinologia.html O site www.chinantiga.blogspot.com também traz uma apresentação didática e sugestões de leitura. Acho que podem dar conta, =D
      abraço!

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    2. Obrigado professor!

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  6. CARO ANDRÉ. Nada mais gratificante de compreendermos nesta sua discussão do pensamento Chinês, em que tenho tido a oportunidade de conhecer e pelas leituras do pensamento Confucionista. Dentro desses aspectos além de Confúcio e os demais pensadores Chineses conseguiram organizar um pensamento autentico pela sua tradição cultural histórica diante de suas experiências de sua civilização. Então na qual somos habituados a conhecer a dinâmica de uma filosofia ocidental, como você mesmo questiona aqui, "Porque não encarar?" Não seria André o conhecimento filosófico Chinês uma das propostas para desafiarmos o atual contexto que vivemos da mais profunda ignorância e preconceito com relação a China?
    ABRAÇO
    ELOIS ALEXANDRE DE PAULA

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    1. Elois, amigo de fé, irmão camarada! =) Com certeza o pensar chinês lança o desafio... a questão é: e quem quer ser desafiado? no fundo, acho que no geral as pessoas já sentem esse desafio, que é saudável e enriquecedor, mas enquanto prevalece a mentalidade bairrista e exclusivista, de caracteres belicistas, então... tudo será motivo de medo, ignorância e violência, desde misturar leite com manga até tomar vacinas ou amar alguém de acordo com as fases da lua. O pensamento chinês já incomoda a ignorância, melhor seria justamente a gente ter um pouco mais disso em nossa escola, e aprender a lidar com a China como um amigo que mora em outro país. =) grande abraço!!!

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  7. Caro professor André,
    O rico texto, abundante de ideias, me animou a refletir sobre a filosofia chinesa, senão desconhecida, penitenciando, confesso, ignorada.
    Indago se nessa marcha epistemológica ainda buscamos de forma inadequada, no pensamento e filosofia chinesa a existência de nossos conceitos ocidentais?
    Lendo seu texto ainda surgem algumas questões: Qual o papel e importância do esoterismo para nos aproximar do pensamento oriental e ainda; como e quando surgiu essa relação de busca do esoterismo para compreensão do pensamento oriental?
    Obrigado!
    Paulo Malta de Albuquerque Maranhão Junior

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    1. Oi Paulo, excelente pergunta!
      O esoterismo ganha força no século 19, principalmente com as decepções da sociedade cristã, capitalista e industrial. Se por um lado alguns investiram no marxismo ou no positivismo, os mais ligados a religiosidade partiram para movimentos alternativos, e encontraram nas espiritualidades asiáticas formas de opção religiosa. Muitas dessas abordagens também foram estereotipadas, ajudando criar mitos e imagens dos asiáticos; por outro lado, elas criaram uma grande atração sobre esses saberes, que estimularam o interesse de muitos estudiosos. A questão hoje é transpor essas barreiras epistêmicas, de modo a construir um saber especializado. abraço!

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  8. Olá,
    Quero compartilhar a curiosidade acerca de Genghis Khan e seu alcance para o conhecimento filosófico, qual a importância? Transcende os muros da história?

    Julio de Jesus Prata Campos.

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  9. Prof. André,
    Outro questionamento seria relacionado ao ensino do conhecimento Histórico através da Biografia de Gengis Khan, seria adequado fazer uso desta técnica, método afim de ensinar aspetos sociais, culturais na perspectiva de ambientar o leitor-estudante do ensino fundamental, médio, através de textos literários como o romance-histórico como: "Earth is the Lord's: A Tale of the Rise of Genghis Khan". Está seria uma boa forma de abordar o tema?

    Julio de Jesus Prata Campos

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    1. Oi Júlio, penso que Genghis Khan não era exatamente um filósofo, por isso, acho que ele não teria contribuído muito nesse sentido. Na China, os historiadores admiram de fato Yelu Jucai, intelectual chinês que convenceu os mongóis a não destruírem a China, a adotar a administração e a cultura imperial sínica, modificando muito do próprio império mongol. =) abraço!

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  10. Olá, Prof. André!

    Queria começar agradecendo, porque o seu texto conseguiu elucidar muitos pontos - ao mesmo tempo que me iniciou em outros. Após a leitura, fiquei provocado a estudar mais sobre o tema.

    Professor, em algum momento do texto, o senhor disse: “[...] a China talvez não precise da chancela ‘Filosofia’, mas a área da Filosofia precisa da China [...]”; imagino que já tenha vocalizado essa afirmação entre os seus pares, aqui no Brasil. Daí a minha curiosidade: i) Como a sua constatação fora recebida? ii) Qual o panorama desse debate nas Universidades brasileiras?

    Parabéns pelo instigante trabalho.

    Obrigado!

    Antonio José de Souza

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    1. Oi Antônio, obrigado pela pergunta! Se você quer causar desconforto.... diga exatamente isso: que a Filosofia precisa aprender outras coisas. Que os filósofos precisam ir para os índios, para a África, para o mundo árabe, Índia e China... Isso já me rendeu bons convites de trabalho, por profissionais com a cabeça realmente mais ampla; mas também, fui excluído de eventos, inclusive dentro das instituições de trabalho. A realidade crua é que os intelectuais brasileiros, no geral, são 'abertos, descolados, inclusivos, etc' desde que seja para dialogar sobre seus saberes coloniais. Cabeça colonizada é algo difícil de perder. Mas estamos melhorando aos poucos, e penso que temos um futuro promissor nisso, pois o Brasil é, de uma forma ou de outra, multicultural, e as aberturas para esses diálogos estão latentes. =) abraço!!

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  11. Primeiramente, professor, obrigado por sua contribuição em trazer mais um texto elucidador. Como a de trazer à baila a questão do Solipsismo e o equívoco habitual em fazer comparações partindo de referenciais um tanto problemáticos já em sua origem. Contudo, restou uma dúvida. Seria, então, desqualificado o método comparativo de pesquisa? E assim haveria perda de conteúdo sobre os estudos asiáticos se estes fossem feitos, p. ex., por internacionalistas, e não por sinólogos?

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    1. Caro Anderson, obrigado por sua pergunta, que toca em uma questão crucial sobre como estudar a Ásia. Sou absolutamente a favor de estudos comparados, e penso que eles podem enriquecer demais nossos conhecimentos. São uma via ótima. O problema está no ponto de partida e na intenção. Muitos estudos comparados partem do pressuposto ou intentam provar a superioridade de uma cultura sobre a outra. Quando feito assim, ele pouco presta, senão para intenções discriminatórias. Contudo, quando feito de forma aberta - como a estratégia de 'ir-e-voltar' a China, de François Jullien, então, temos uma proposta rica de nos compararmos com os outros para podermos aprender sobre o outro e nós mesmos, e crescer, sempre, em termos humanos. Por isso, os problemas sobre estudos chineses e/ou asiáticos consiste na intencionalidade. Sejam sinólogos ou internacionalistas, seus estudos serão melhores ou não de acordo com suas agendas políticas e culturais.
      abraço
      André Bueno =)

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