Alina Miranda

AQUISIÇÃO DE LEITURA/ESCRITA E GURU-ŚIṢYA-PARAMPARĀ: VALORES DO ESTUDO TRADICIONAL DO SÂNSCRITO NO BRASIL


Quem quer que se aproxime do tema alfabetização para estudo ou, mais desafiador ainda, proponha-se a facilitar o acesso de outrem a um determinado código linguístico, enfrenta um território extenso, controverso, repleto de dados interessantes e, às vezes, com rivalidades injustificáveis. Afinal, a linguagem, o pensamento, a expressão de um ser humano é algo tão complexo quanto o é ele mesmo. O homem é linguagem e a alfabetização é só a primeira etapa para explorar essa dimensão tão fundamental e inata a todos nós.

Enquanto primeira etapa que pode conduzir ao letramento, isto é, à alfabetização na perspectiva do uso social e fluido da língua, alfabetizar não é uma tarefa apenas visual, técnica, mecânica. Não é suficiente conhecer como são escritas as letras e memorizá-las para que a soletração, e depois a leitura e o entendimento, aconteça como consequência orgânica. Se à primeira vista alfabetizar pode sugerir ser uma empreitada natural sempre que haja contato entre o falante e a língua, ela não é fácil de ser posta em prática, tampouco é simples de ser executada dentro de um programa que tenha prazos definidos e que, dele, a colheita seja a eficiência nos objetivos propostos, quais sejam: a reflexão sobre a relação entre a fala e a escrita, a introdução à consciência fonológica, a experimentação do ato de escrever, ou seja, de como grafar os fonemas (sons) em grafemas (letras, diacríticos) em um determinado alfabeto e, por fim, uma mínima autonomia no processo de leitura. E, se para a língua portuguesa, nossa língua pátria, esse é um assunto denso e discutível, o que poderíamos dizer do desafio de promover a aprendizagem do sânscrito entre falantes da língua portuguesa? Além disso, por que e para que aprender sânscrito? Qual a situação atual dessa questão no Brasil, inclusive para além dos muros universitários, que, em parte, ajuda a diversificar os estudos sobre Extremo Oriente, em particular sobre a Índia e sua literatura védica?

De fato, dada a complexidade da atividade de alfabetizar, por princípio, não é razoável qualquer afirmação de que há um único meio de efetivá-la, tampouco a afirmação de que haveria o “melhor” método – se soletração, fônico, silábico, palavração, sentenciação etc. [FREITAS, 2003]. O que pode e deve existir é a definição de experiências educacionais com base no contexto e nos objetivos – qual resultado é esperado ao finalizar o processo de aquisição e domínio de um código linguístico? – e estar sempre aberto às adaptações, reorganizações e inovações. Flexibilidade e organização devem andar juntas quando o assunto é alfabetizar, em qualquer língua. E, se o princípio de tudo é, pois, a linguagem oral – a língua baseia-se e origina-se na oralidade – alfabetizar é, justamente, fazer compreender e dominar as regras de funcionamento do código linguístico oral no escrito e essa relação não pode ser perdida. Todo alfabeto é um código arbitrário e posterior à oralidade.

Sendo assim, queremos destacar com esse texto a ação pedagógica – a estruturação de uma metodologia tradicional de aquisição de leitura e escrita do sânscrito no Brasil – cuja realização ocorre desde 2015 pelo Instituto Vishva Vidya, sediado em Petrópolis, no Rio de Janeiro – sua fundação é de 2014 e, atualmente, conta com mais de mil alunos regularmente matriculados, majoritariamente brasileiros, dos quais muitos adquiriram acesso ao sânscrito por meio das modalidades de aprendizagem dessa instituição. Por estar engajada na proteção da tradição oral védica, no ensino tradicional de Vedānta a partir de uma metodologia eficiente e própria – cujo recente reconhecimento do governo indiano ajuda a vislumbrar o impacto desse trabalho na própria tradição védica, a qual se abre em sua real natureza transcultural –, a aprendizagem do devanāgari constitui-se como uma sādhana muito importante. É nosso interesse, pois, divulgar essa iniciativa, socializar essa ação pedagógica a partir de um histórico dela e da apresentação de suas bases, já que seus resultados são bastante férteis, seja individualmente, seja para o estado dessa arte em nosso país. E pela modéstia do empreendimento e público-alvo, daremos preferência ao termo “aquisição de leitura e escrita”, ainda que eventualmente o uso do termo alfabetização possa ser usado dada a larga compreensão do seu sentido.

 

Histórico dos modelos de aquisição de leitura/escrita

É muito importante conhecer as ações pedagógicas brasileiras relacionadas ao que se atribui ao Extremo Oriente (Índia, no caso) e compreender que as pesquisas acadêmicas têm muito ainda a registrar e conhecer. É comum a visão estereotipada ou de desprestígio e mesmo a ausência do tema “orientes” em nosso sistema educacional, da escola básica ao nível acadêmico. Porém, certamente há que reconhecer as alternativas a essa via entendida como oficial e, disponibilizando-se a aprender com elas e sobre elas, apreciar o fato: não são ações pedagógicas espontaneístas, nem assistemáticas, tampouco isoladas. Temos muito a aprender com essas ações fincadas no solo tradicional e, neste caso, profundamente enraizadas na cultura védica ancestral. Identificar não apenas o que não é organizado, mas cuja direção não é definida pelas nossas pesquisas, cursos universitários ou instituições pode oxigenar, inclusive, os problemas vivenciados diariamente e historicamente em experiências educacionais de todos os tipos. Dito isso, foquemos no histórico, destacando o contorno e a fundamentação dessa prática pedagógica do referido instituto.

Ainda em 2015, como um projeto de extensão ao programa central de estudos dessa instituição foram elaborados e disponibilizadas em plataformas virtuais onze videoaulas nas quais o alfabeto da língua sânscrita é ensinado com breves alusões ao seu contexto: a cultura védica. Trata-se de um curso ainda hoje disponível e acessível e como se trata de algo aberto não é possível medir ou rastrear o impacto real em termos de pessoas alfabetizadas. Apesar dessa impossibilidade de medição, certamente é possível afirmar 1) quão benéfico e útil tem sido ao longo desses anos para os alunos lusófonos de Vedānta, que é o público-alvo para a oferta desse material; e, sobretudo 2) quão amplo tem sido seu alcance para além desse público, atingindo muitos interessados e servindo de base para propor familiaridade com o devanāgarī, a porta de entrada para o acesso aos textos no original dessa tradição. Além das aulas, um material didático elaborado para acompanhar esse processo é disponibilizado, garantindo algum suporte e solidez ao processo.

Concomitante a essa oportunidade, sempre foi possível alfabetizar-se na parte presencial e intensiva do ciclo de estudo proposto por essa instituição, particularmente nas atividades denominadas camps de estudo. Com duração de quinze dias, a oficina de aquisição de leitura e escrita sempre constou como uma ação obrigatória, constituída de aulas teóricas e exercícios práticos, para grupos que, às vezes, atingiam mais de cinquenta pessoas. Porém, devido ao tempo disponível, nelas, a aquisição da leitura e escrita limitava-se à apresentação do som de cada fonema, com identificação do seu respectivo grafema, facilitando a repetição delas no material didático e a sedimentação da primeira associação da fala com a escrita. Dado o tempo exíguo, a oficina de leitura, de canto tradicional ou de gramática funcionavam de forma separada e não como continuidade direta desse primeiro ciclo, embora ele fosse pré-requisito para elas. No mesmo camp de estudo não era possível ir além do reconhecimento das letras e nutrir a prática de leitura, por exemplo, mas uma vez alfabetizado, um aluno era deslocado para as oficinas mais avançadas. A despeito disso, e apesar de ter sido sempre muito exitoso todo o processo e vários alunos já terem se beneficiado dele, muitas vezes a aquisição da escrita encerrava-se ali.

Atualmente, porém, o programa de estudos em sânscrito dessa instituição tem sofrido alterações. Mais extenso, constando de oito semanas, com ciclo anual e ainda totalmente gratuito para os alunos da instituição, a iniciativa pedagógica torna-se cada vez mais encorpada e mais sistemática que as anteriores: além da inclusão de atividades de leitura, vem sendo ricamente elaborado um conjunto diverso de materiais e objetos educacionais que recorrem ao grande potencial que a tecnologia tem no processo de ensino-aprendizagem. Além disso, como os módulos posteriores estão mais estruturados, a aquisição da escrita não se esgota nela mesma.

 

Oralidade e escrita como sādhana

Todas as vezes que falamos de alfabeto estamos falando, entre outras coisas, de autonomia, de um grau de liberdade no processo de formação ou de aquisição de conhecimento em uma determinada língua. Dominar um alfabeto, de fato, é um meio, o primeiro, diga-se, para atingir a própria independência que o ato de ler e escrever nesse código linguístico garante. Mas quando o assunto é a aprendizagem tradicional da língua sânscrita, esse domínio do alfabeto, e todas as suas consequências de letramento, não deve remeter ao autodidatismo, embora essa seja uma via tangível. O que está em questão é a possibilidade real e sempre muito mais promissora dessa aprendizagem se configurar como sādhana. A motivação maior da oferta do programa de língua sânscrita dessa instituição é, justamente, Vedānta.

Mas o que é sādhana? Que quer dizer estudar sânscrito como sādhana? Sādhana significa ‘instrumento por meio do qual se atinge algo’. O foco, porém, não é no objeto – no caso, o devanāgarī, a aquisição da leitura e da escrita e a transformação que o processo de aprender algo sempre promove –, mas no caminho e na contemplação da pessoa nele que a aproximação com esse objeto provoca. Daí a melhor tradução para a palavra sādhana ser ‘caminho’.

Na verdade, o valor da aquisição da leitura e escrita do sânscrito nesse modelo está relacionado à oralidade e à importância das vedāgas, disciplinas auxiliares ao tema central da tradição védica: Vedānta. Sobre isso, o verso da segunda sessão da Taittirya Upaniṣad afirma: “śīkā vyākhyāsyāma | vara svara | mātrā balam | sāma santāna | ityukta śīkādhyāya”. [DAYANANDA, 2016, p. 87]. Ora, é śikā, o estudo da fonética e da fonologia, que evidencia os sons do devanāgarī em todas as zonas de articulação das letras – sons guturais, palatais, cerebrais, dentais, labiais, sibilantes, bilabiais etc. – bem como a duração, a força, a cadência e a junção deles. É ela que precisa ser conhecida se o intuito é esse enlace do som com sua grafia. Śikā é também a base para as demais vedāgas (chanda, a métrica; vyākaraa, a gramática; nirukta, a etimologia; jyotia, a astrologia e kalpa, o ritual) e a porta de acesso à toda tradição: do aspecto cultural-literário ao ontológico-espiritual.

Inúmeras pesquisas investigam a relação entre consciência fonológica e a aquisição da escrita, evidenciando a interdependência entre elas. Observando essa ação pedagógica do estudo do sânscrito de forma tradicional, identificamos que a consciência fonológica é muito importante para o reconhecimento dos sons da fala e para a manipulação da estrutura sonora das palavras, daí ele ser considerado, majoritariamente, como um método fônico, no qual o auditivo é anterior ao visual. Mas, sobretudo, é preciso destacar que o método estimula uma percepção corporal do som: a consciência da região onde o som é produzido no aparelho fonador torna tangível todo o aprendizado, reduzindo a abstração e mesmo o dualismo corpo-mente ao tempo que também reinsere acordos colaborativos no já histórico dissenso entre o visual e o auditivo. Se a escrita é uma representação de algo; se é simbólica; se ela tem uma relação fonêmica com a fala, não sendo precisamente uma transcrição fonética dela e se dominá-la exige um afastamento do concreto e um trabalho abstrato, o estudo tradicional do sânscrito enfatiza justamente essa relação corporal, fazendo com que, junto ao desafio de associar as combinações de unidades visuais (letras, grafemas) às unidades sonoras da palavra (fonemas), a consciência corporal possa intervir, facilitando, o processo de aquisição da leitura e da escrita e levando o aluno para além dela. Uma sādhana é precisamente isso: um meio para atingir um fim, sādya, e o fim último é vencer a dualidade da compreensão da natureza humana (a relação entre Deus-Mundo/Indivíduo) por meio do exercício de viveka, discriminação. O exercício de discriminar os sons, precisar sua zona de articulação e se tornar íntimo da organicidade da pronúncia e inteiro ao executá-la é apenas uma desculpa para a condução da mente a um lugar de apreciação que extrapola o próprio método de alfabetização. O corpo passa a ser um filtro para interiorizar a mente, não o contrário. E o propósito último é, como dissemos, um aprofundamento não da leitura e da escrita em si, mas da contemplação de si mesmo promovida pelo esforço exigido para aprender śikā e posteriormente também pelo entendimento dos textos tradicionais da cultura védica.

Além disso, no caso dessa experiência que estamos destacando, como é um processo que ocorre com adultos, que já passaram pelo processo de alfabetização do português e, majoritariamente, são estudantes de Vedānta, o processo ganha contornos mais amplos e densos e trabalha, além das habilidades linguísticas, fonológicas e intelectuais, valores, como a disciplina, a resiliência e a solidariedade em qualquer nível, seja daquele que está aprendendo, seja daquele que está colaborando com o processo todo. A base do estudo tradicional é a interação entre professor, alunos mais velhos e alunos mais novos. Nem o professor ensina sozinho, nem todos só aprendem. Colaborar na aprendizagem dos novatos é parte da aprendizagem de quem já vivenciou aquela etapa do processo, evidenciando que é a energia da gratidão e do estar pronto para servir que move as ações. A própria proposta de ensino como um todo não é apenas irrealizável sem isso – dada a extensão dela e seu alcance, envolvendo muitos alunos ao mesmo tempo –, ela perde o fundamental: esse valor de retribuição que a sustenta, retribuição não porque é preciso, mas porque o que de fato move o ser humano é a pertença, é a entrega a algo que é maior que ele e o desejo de retribuir o que foi recebido. No fundo, nesse sistema colaborativo, o papel central daquele que operacionaliza e faz esse módulo de aprendizagem ocorrer – o professor – desfaz-se frente ao engajamento e esforço coletivo de todos que se voluntariam para humanizar a aprendizagem, sem que com isso seja perdida a visão de metas pré-definidas e prazo a serem cumpridos. Tudo que sobra é apenas o que existe desde o início: a tradição, a perenidade do ensino tradicional e a energia viva de pessoas que a preservam ao longo do tempo.

De forma mais específica, especialmente em relação ao último formato pedagógico da oferta de aquisição de leitura e escrita, podemos destacar os valores da estrutura pedagógica e sua estratégia de ação: 1) ir sempre do mais simples ao mais complexo; 2) estabelecer etapas de curto alcance, com visão concreta dos resultados e prazos definidos; 3) garantir o acompanhamento diário, com conferência das atividades por tutores voluntários, encorajando, com isso, o contato próximo e humano; 4) incentivar e manter a energia do grupo, usando-a como estímulo para a conclusão da aquisição da leitura e escrita; 5) fomentar a aprendizagem com o uso de materiais de apoio, explorando o recurso da ludicidade e/ou da tecnologia  sempre que possível; 6) favorecer a integração dos módulos de estudo do sânscrito (aquisição da leitura e escrita, canto tradicional e gramática); 7) promover uma vivência intensiva e cotidiana ao longo do prazo de aquisição da leitura e escrita, sempre coletiva e sempre sustentada no calor humano. Mas, o mais importante é que todos esses itens estão sustentados em uma visão ainda maior, que é o diferencial dessa metodologia: a sedimentação dos valores da tradição guru-śiṣya-paramparā na aprendizagem do sânscrito e a aprendizagem como ferramenta para contemplar o conhecimento (de Vedānta, da plenitude do Eu). Uma sādhana é justamente deixar de ver um objeto ou uma ação como tendo fim nela mesma, mas como plataforma para se refinar, polir a si mesmo, o que aliás, é o significado da palavra saṃskṛta: o que foi ‘bem-feito’, aquilo que é ‘perfeito’. A aprendizagem do sânscrito é um exercício de discriminação e polimento da pronúncia, da mente e, acima de tudo, da pessoa.

Seja, então, pelo desejo de compreender os textos tradicionais no original, de se envolver com a tradição védica ou de promover aquilo que é central nela, o conhecimento da natureza humana, o que distingue e valoriza a iniciativa que estamos destacando é o estudo ser uma sādhana e ele estar fincado no solo do estudo tradicional e seu paramparā, ou seja, a linhagem oral de professores da tradição védica. Aprender sânscrito nesse contexto não se limita a dominar um novo idioma, a conquistar uma formação técnico-literária ou uma fluência linguística e de compreensão no diálogo com a tradição escrita sobre essa cultura. A leitura e a escrita não estão independentes da oralidade, nem desvinculadas da sabedoria que as tradições orais ainda vivas demonstram que foram capazes de sustentar e proteger.

Na aprendizagem da língua sânscrita via estudo tradicional, pois, esse entendimento – de que não se trata de dominar mais um código linguístico por puro preciosismo ou com fins materiais e profissionais – é mais primário que o próprio domínio do alfabeto: não é uma recomendação, se o objetivo é acessar a real fertilidade da tradição védica, prescindir da relação guru-śiṣya-saṃvāda, o estudo mediado pela tradição oral milenar de professores e alunos, por meio de um professor vivo, presente, próximo. Apesar de ser possível aprender sânscrito em um curso não-tradicional, acadêmico ou não, com ou sem o respaldo de inúmeras instituições, o objetivo dessa metodologia de aquisição de leitura e escrita em sânscrito sempre está baseado e motivado por essa característica: há um outro paradigma que é não apenas “educacional”, mas de formação integral da pessoa humana, ou seja, de autoconhecimento. Sem compreender a natureza do ensino tradicional oral, que aliás pode ser confundido com muitas coisas, não tem disponível essa visão do processo e precisa interessar-se e buscar mais sobre esse modelo, evitando que incompreensões e estereótipos sejam mais uma vez formulados por uma tradição escrita/acadêmica que é incapaz de entender e se dispor a aprender com a oralidade. [MIRANDA, 2021].

Não cabe, pois, nesse processo desenvolvido até o momento a querela internacional: se a aquisição da leitura e escrita ocorre fundamentalmente pelo meio auditivo ou visual, pois não se trata de uma atividade técnica, de uma aquisição motora. E, por mais que haja um trabalho com a linguagem e a consciência meta-fonológica dos envolvidos, o que está realmente em jogo é o um processo de autoconhecimento, de crescimento de todos os envolvidos. Se boa parte da querela entre métodos de alfabetização é disputar a eficiência de um meio ou outro nos inúmeros entraves e desafios do processo de alfabetização, pois trata-se de uma preocupação da formação da criança, bem como se é a intimidade com o fonema ou com o significado da palavra que garante um bom processo de alfabetização, esse rompimento não tem mostrado nenhum sentido na prática de facilitar a aquisição da escrita em sânscrito no contexto do estudo tradicional para adultos. De fato, alfabetizar significa dominar as regras de funcionamento do código alfabético e, progressivamente, do código ortográfico. Porém, nesse formato de estudo e aquisição do código escrito, ela não é encarada apenas como uma tarefa técnica de reconhecimento do alfabeto, nem com as relações deste com a linguagem: ela tangencia com valores que sustentam uma vida saudável e equilibrada, que é a visão da sabedoria.

 

Referências

Alina Silva Sousa de Miranda é doutora em História Social pela USP e professora de História da Universidade Federal do Maranhão, coordena o grupo de pesquisa Advaita e História. É autora do livro Fiar poético (em dois volumes, I – Cenário do estudo tradicional e II – Meditações sobre o estudo tradicional), lançados em 2021, resultado do projeto de pesquisa de editoração e produção de documentação da tradição oral védica em língua portuguesa, projeto esse apoiado pelo Consulado da Índia do Rio de Janeiro.

 

DAYANANDA SARASWATI, Swami. Taittirīya upaniṣad. Volume 1, 1ª edição. Arsha Vidya Research and Publication Trust. Chennai, 2016. [livro]

FREITAS, Gabriela Castro Menezes de. Consciência fonológica e aquisição da escrita: um estudo longitudinal. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) – Pós-graduação em Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2003. [tese/internet]

MIRANDA, Alina Silva Sousa de. Fiar poético: cenário do estudo tradicional. Vol 1 e II. EDUFMA, 2021. [livro]

10 comentários:

  1. Prezada Sra. Alina Miranda, congratulações pela Comunicação. Gostaria de compartilhar alguns questionamentos que a leitura da mesma me suscitou:

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    1. Olá! Que bom receber suas interrogações sobre o texto. Espero poder contemplá-las nas respostas.

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  2. Quais são os horizontes de desenvolvimento de metodologias de conversação, deste curso especificamente, no intuito de possibilitar aos alunos uma experiência semântica de imersão fluente nos ritmos linguísticos do sânscrito? Até que ponto um domínio linguístico em níveis avançados não otimizaria exatamente o escopo terapêutico deste curso em si?

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    1. Esse é um estudo tradicional, cujas bases e estratégias não devem ser medidas pela estrutura de um curso em uma cultura escrita. A escrita não está independente da oralidade e ao invés de conversação, se envolver com śikṣā traz o aprendizado das métricas e do canto tradicional, o que é uma profunda imersão na cultura oral. Esse é o horizonte: a cultura oral e seus próprios mecanismos. No caso da tradição védica, essa cultura oral está viva e ela se ramifica em locais fora da Índia, por mais surpreendente que isso possa parecer e aqui no Brasil temos ela à disposição. Assim, a alfabetização é só o primeiro passo, ele é seguido pelo estudo da gramática e da fonética e certamente ampliam o domínio linguístico dos interessados, bem como seu processo terapêutico. Aqui eu socializei a primeira etapa desse processo apenas.

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    2. Prezada Sra. Alina Miranda, compreendo o argumento. Com efeito, o contexto do curso, apresentado na Comunicação, de fato reflete exatamente o conteúdo desta resposta. Sim, sim, de fato precisamos desta qualificação nestes primeiros passos no estudo do sânscrito, é uma proposta, sim, encantadora e necessária para a divulgação do ensino deste idioma no Brasil, com certeza... ;)

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  3. Pelo menos para o leitor que não viveu, não testemunhou o curso, parece haver um ponto de impasse entre o que eu denominaria aqui de qualificação objetiva (“desejo de compreender os textos tradicionais no original”; “dominar as regras de funcionamento do código alfabético e, progressivamente, do código ortográfico”; “aprender śikṣā e posteriormente [... o] entendimento dos textos tradicionais da cultura védica”) e busca subjetiva (“aprofundamento [...] da contemplação de si mesmo”; “se refinar, polir a si mesmo”; “tangencia com valores que sustentam uma vida saudável e equilibrada”). Até que ponto o que eu percebi como suposta coadjuvância atribuída à qualificação objetiva não prejudica ou sabota, na essência, a busca subjetiva pressuposta? Uma trajetória claudicante na cognição linguística mais objetiva não induziria a equívocos e distorções na própria busca pessoal interior?

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    1. Eu que agradeço, que bom participar desse simpósio e poder compartilhar estudos e interrogações.

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  5. Uma característica da tradição oral é que é realmente preciso vivê-la para compreender por que caminhos essa associação entre o que poderíamos chamar de objetividade e subjetividade se evidenciam. Mais uma vez essas cisões da cultura escrita e do próprio sujeito de conhecimento não contemplam uma cultura oral (que não descarta a escrita) e obviamente será sempre preciso perguntar por prejuízos, sabotamentos... Porém, essa demanda, dentro de uma tradição oral, tem outros termos, daí mesmo meu interesse em definir os valores dessa cultura oral, que é a tradição de conhecimento oral... e cuja ideia de qualificação nem um pouco se assemelha à nossa ideia de “qualificação”.

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    1. Prezada Sra. Alina Miranda, entendo o argumento... pelo menos numa perspectiva, reforço aqui, de quem não viveu, nem testemunhou o curso, esta pergunta ainda fica no ar... pelo menos pra mim... um motivo para uma visita e, por que não, uma passagem pelo curso como estudante, não é mesmo? Esta perspectiva diferenciada, pelo menos a partir da leitura da Comunicação, parece alimentar experiências inusitadas segundo o padrão de instrução linguística com o qual estamos acostumados... mais uma vez congratulo-te por compartilhar essa experiência conosco... até a próxima... ;)

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